segunda-feira, julho 30, 2007

PIRENÓPOLIS-GO

Em dezembro de 2004 eu tive a honra de poder trabalhar com o Mestre Prof. Paulo Bertran em uma expedição à Serra de São Gonçalo. O convite me foi feito enquanto eu ainda trabalhava em uma banca de revistas, onde ele era nosso cliente.
O resultado dos trabalhos podem ser vistos aqui neste post. Boa leitura.

Vista da rua da pensão onde ficamos hospedados na cidade de Pirenópolis

“CIDADE DE PEDRAS” (PIRENÓPOLIS)

Por PAULO CÉSAR CASTILHO

O nome em si - “Cidade de Pedras” - já chama a atenção e faz com que a mente crie imagens do que estar por vir. Foi assim que fiquei desde o dia em que o professor Paulo Bertran me convidou para fazer parte de sua expedição, que exploraria a região onde este monumento natural está situado, além da “Serra das Pirâmides” que fica no vale lateral da mesma. Tive a honra de participar ao lado de especialistas em biologia e geologia, tendo a prazer de ver tudo com um olhar muito diferente ao de pessoas comuns.

Nossa primeira parada ainda no pé da serra

Saímos de Goiânia às 8:30 hrs do dia 20 de Dezembro de 2004. Durante o percurso eu já criava em minha mente o que poderia estar por vir.
No primeiro dia fomos direto aos locais onde seriam feitas nossas explorações. A primeira parada foi em um ponto de retirada de pedras (as famosas pedras de Pirenópolis), na beira da estrada. O local é de fácil acesso e isso proporciona uma fácil exploração, tanto que o buraco aberto no solo já apresenta uma grande profundidade, chegando a minar água. Infelizmente essa “exploração” atinge alguns pontos onde a preservação da área deveria ser feita, ou seja, deveria haver um controle de extração.

Nossa chegada na sede da fazenda do Dr. Sahium

Dali nós fomos para a “Cidade de Pedras”. A estrada flanqueia pela esquerda as formações graníticas. Durante o percurso vê-se belíssimos e curiosos paredões que instigam nossa curiosidade. Vários deles, os mais altos, apresentavam partes brancas – daquela distância que estávamos a impressão era de que estavam rebocados e pintados. Decidi comigo mesmo que aquele seria um ponto onde eu faria minha exploração. Seguindo adiante, fomos até a divisa final das terras do Dr. José Sahium (onde está localizada a “Cidade de Pedras”).

Todos os integrantes da expedição

Nesse local o geólogo Jamilo nos deu curiosas e importantes explicações sobre a formação daquelas terras, o tipo variado de pedras e terras. Estávamos sobre um “dique” onde podia se notar claramente a diferença do terreno. Ele nos explicou que por ali, há milhares de anos atrás, durante o movimento das placas tectônicas, valas foram abertas e por ali o magma do interior da terra penetrou e subiu até a superfície. Aproveitei a oportunidade para colher algumas amostras de pedras.


Dr. Jamilo pegando no pesado

O segundo passo foi ir até a sede do Dr. Sahium, de onde pudemos avistar a “Serra das Pirâmides”, situada no distante vale lateral da sede. Neste momento discutíamos os caminhos a serem seguidos para se chegar até elas.


Vale das Piramides

Vale registrar aqui minha indignação com os vários pontos de retirada de pedras, alguns deles já dentro da cidade de pedras, espalhados pelos vales. Eles são uma agressão à natureza e até mesmo aos olhos quando se destacam no verde exuberante da região. Um desses pontos estava no pé da serra de uma das pirâmides.
Decidido o caminho a ser seguido, lá fomos nós.

Amostra de rocha do local (eu a guardo até hoje como se fosse um troféu)

O tempo fechado e a chuva fina que caia tornava o caminho ainda mais difícil. Passamos por um vale à esquerda da estrada, onde há uma pastagem e algumas cabeças de vaca. Ali fica a nascente do Rio Corumbá. A mata em volta da nascente está bem conservada.
Chegando no local a ser explorado, eu me separei do grupo.

Prof. Bertran e Dr. Jamilo acertando os detalhes do reconhecimento da área

Fiz a exploração do flanco direito indo até o local de extração de pedras. O local escolhido é bastante escarpado. No cume da serra existe um paredão granítico e a sua lateral é coberta por pedras que dele se soltam, formando uma espécie de “telhado de pedras”.
Vencidos todos os obstáculos, cheguei ao lado oposto da serra.


A vala formada pela extração de pedras é grande; montes de lâminas graníticas já estão formadas em lugares diferentes, prontas para serem transportadas – apesar da informação de que ali já não se exploram a extração, o que eu duvido – ao lado de antigas pilhas, já escurecidas pela ação do tempo.



O meu retorno foi feito em linha reta, alcançando o cume da serra em direção ao meu ponto de partida.
Vale ressaltar que o Rally dos Sertões passou pela região na prova de 2004. O grupo se reuniu novamente e, como o dia já se findava, fomos para Pirenópolis, onde pernoitamos.


No dia seguinte, nosso objetivo era a “Cidade de Pedras”. Desta vez não iríamos ficar apenas na estrada que a flanqueia, mas faríamos a exploração pelo seu interior. Após a decisão de seguir pelos flancos, pedi permissão ao professor para prosseguir pelo meio – eu queria verificar os paredões “brancos rebocados”.


Marcamos a hora de saída e decidimos a hora de chegada ao ponto zero. Finalmente eu poderia matar minha curiosidade. O caminho por mim decidido seria um pouco mais difícil, mas do meu ponto de vista o melhor. Com a dificuldade de acesso, com certeza poucas pessoas passaram por ali. Depois de várias escaladas, cheguei a um de meus objetivos: os paredões. A base e o alto dos paredões são de rochas escuras, o meio é formado por pedras cristalizadas, ganhando assim uma cor branca e lisa – daí a impressão de “reboco pintado”.
Notei que a maioria das colunas de pedras estão alinhadas em uma mesma direção.


Outro detalhe que me chamou a atenção foi o fato de algumas pequenas colunas de pedras (que seriam facilmente derrubadas pela ação do homem) ainda estarem intactas. Talvez isso seja a prova de que o homem ainda não tenha passado por ali (quando digo “homem”, refiro-me aos vândalos da natureza e não o homem comum).


A vegetação é rasteira e são raras as arvores com mais de dois metros de altura. As rochas são cobertas por uma fina camada de areia branca. No trecho por mim percorrido (seguindo até o segundo lance de paredões, encontrei uma nascente no pé do mesmo.

O pequeno lago que se forma no meio da Cidade de Pedras

A água brota do meio das rochas e corre por uns 300 metros, desaparecendo em seu próprio leito arenoso. Notei a presença de alguns girinos na mesma. Segui o seu leito seco que vai para o lado oposto da nossa base de operações, onde há um vale um pouco profundo. Ao fundo os terceiros paredões.
Demorei duas horas para chegar àquele ponto. Já era hora de voltar. Não encontrei nenhum animal silvestre e nem mesmo répteis (Que sorte!). A paz naquele local é plena. As rochas propiciam monumentos diferentes e algumas formações são intrigantes. Algumas formações são usadas como moradia por animais, de acordo com alguns detalhes que notei. Pássaros fazem seus ninhos por entre as rochas mais elevadas.


Quando mais se entra na Cidade de Pedras, mais difícil é o caminho a ser percorrido. A volta para a base foi fácil. Saí na estrada a 1.400 metros abaixo.
Eu precisaria de pelo menos cinco dias para explorar toda aquela área, o que seria uma tarefa altamente gratificante. Seria interessante usar fotografias aéreas para identificar cada passagem, nascente ou formações.

Minha chegada ao pé da "piramide"

De volta à base, onde estavam os veículos de transporte, fui informado sobre a presença de um enorme lobo Guará, que esteve bem próximo ao grupo de apoio. Segundo informações, ele não demonstrou sinais de espanto com a presença humana (eles é que se espantaram com sua presença). Seria interessante levantar se no local existe algum ponto natural para banho (córrego, cachoeira ou pequeno lago).


Neste período o aspecto da vegetação é bem agradável, flores brotam por entre as pedras. Encontrei, no meio de todas aquelas pedras e na beira do pequeno riacho, um pé de guapeva. Notei que no pé do pequeno arbusto havia vários frutos carcomidos. A ação com certeza foi feita por pequenos animais da região.


Extração de pedras em um dos flancos da "piramide"

Em minha conclusão, a área merece ser explorada e ao mesmo tempo preservada. É preciso um trabalho urgente de controle de visitação, antes que grupos desorganizados comecem a chegar á região. Além da exploração e extração de rochas do local, durante nossa pequena estadia ali, nos deparamos com uma camionete (movida à gás) cheia de madeira cortada na região. As poucas árvores com mais de dois metros estão sendo retiradas ilegalmente do local. Segundo informação do motorista do veículo, a madeira seria utilizada para a construção de uma cerca no município de Cocalzinho.


Pedras escorregadias na lateral da serra em forma de piramide

Após a hora marcada, o grupo todo reunido, chegou a hora da partida. Fiquei amargurado por não ter explorado uma área mais abrangente.
Vale ressaltar que a integração do grupo foi sensacional. Fica aqui meus agradecimentos, em primeiro lugar por ter sido convidado a participar da expedição, em seguida pela plena disposição dos motoristas, conhecidos pela alcunha de Índio e Bigode, pela plena disposição de nos levarem onde fosse necessário e aos amigos profissionais que participaram desta empreitada, formando uma EQUIPE PERFEITA.



DESCOBRINDO A CIDADE PERDIDA

(Matéria publicada no Jornal O Popular – 22 de janeiro de 2005 – Carla de Oliveira e Marcondes Franco Filho)

A primeira imagem de quem chega ao local é a de estar mesmo diante de uma grande cidade de pedras perdida no meio da imensidão do cerrado. De longe, as grandes rochas, que assumem formas as mais diferentes possíveis, se destacam como se fossem prédios arredondados, imensos, que se erguem aos milhares, num conjunto inusitado de beleza mágica.

Quando se está dentro do complexo rochoso, ao pé das enormes pedras trabalhadas ao longo de milhões de anos pela natureza caprichosa, a impressão da cidade que o visitante teve à distância se torna mais evidente.


Os intervalos entre os grupos de pedras monumentais alinhados simetricamente se apresentam como ruas, avenidas e praças plantadas como se fossem quadras de uma metrópole. Ramos rasteiros e arbustos que pontilham aqui e ali em todo o cenário tomam a forma de insólita arborização urbana.

Quanto mais se adentra nesse mundo estranho e misterioso, percorrendo as entranhas cavadas entre as gigantescas estruturas de arenito, mais forte se torna a noção de estar em meio a ruínas seculares de uma cidade fantasma.


A CIDADE PERDIDA DOS PIRINEUS

Paulo Bertram (Escritor e Historiador)

O século dos 1800 foi muito rico em matéria arqueológica, no descobrimento e divulgação de extintas civilizações monumentais no Egito, na Grécia, na Mesopotâmia e nas Américas, só conhecidas na Europa por raros eruditos leitores de manuscritos deixados pelos gregos e romanos.
O Imperador Pedro II, tão logo os afazeres de estado permitiram, esteve no Egito para conhecer as pirâmides de Gisé.

Dr. Jamilo explicando como as rochas foram formadas

O Instituto geográfico Histórico do Brasil (IHGB) fundado e estimulado pelo monarca, tomou a si a missão de investigar as riquezas arqueológicas do país, recebendo informes de seus correspondentes nas províncias. Exatamente no arquivo o IGHB, encontramos o manuscrito, datado de 1871, anunciando a descoberta de uma “Cidade Perdida” na cordilheira dos Pirineus da Província de Goiás, assinado pelo Dr. François Henry Trigant dês Genettes, médico e naturalista francês. Mais adiante será o assunto principal deste artigo.



Em 1886, o IHGB notificava (seguindo uma informação do Ceará), a existência de uma cidade petrificada no Piauí. Era o descobrimento do magnífico Parque Rupestre de Sete Cidades, conhecido em todo o país e visitado desde então por milhares de pessoas.
No entanto, só em 1926 (quarenta anos depois), um explorador alemão, Ludwig von Schennhagen, examinou detidamente as informações, fez um mapa delas e verificou que eram sete agrupamentos ruiniformes. E os denominou Sete Cidades do Piauí, publicando em livro um estudo a respeito. Rapidamente Sete Cidades ficou mais conhecida com seu Parque Nacional criado desde 1961.

Visitamos Sete Cidades na década de 70 e causou-nos forte impressão. Hoje, Sete Cidades caiu em certo ostracismo e Vila Velha, no Paraná, ocupou sua posição turística, mais próxima da modernidade. Não vira, nem no velho nem no novo mundo, um campo ruiniforme com tal extensão – até recentemente, pelo menos – com a redescoberta em 2004, da Cidade Perdida dos Pirineus, descrita por Genettes, em 1871.


Infelizmente a cidade dos Pirineus não teve um estudioso como von Schwennhagen e permaneceu ignorada por mais de 130 anos desde a sua descoberta por des Genettes. Acredito que o relato do naturalista francês ao IHGB jamais tenha sido impresso.
Segundo uma publicação do Parque Nacional de Sete Cidades (EDUFPI, Teresina, 2000) o Parque tem hoje 6.200 hectares e o conjunto rupestre 250ha. Conforme um levantamento preliminar, o conjunto rupestre dos Pirineus supera 500ha e deve ser hoje a maior cidade de pedras do continente e uma das maiores do mundo. No Brasil são conhecidos outros conjuntos rupestres, também muito visitados, como Vila Velha, no Paraná.

Em Goiás, são sabidos o de Paraúna e o da Serra Dourada, na Cidade de Goiás, com suas altas e belas formações. Mas suas áreas são bem menores do que a Cidade Perdida, descoberta em 1871 pelo Dr. Trigant des Genettes, na Serra dos Pirineus, e depois novamente perdida por mais de século.
As notícias sobre cidades perdidas no Brasil vem do século dos 1500. Nesse período, bandeirantes baianos acreditavam ter atingido uma cidade perdida nas curiosas Serras do Sincorá, que conheci na Chapada Diamantina (BA), belas formações rochosas naturais de uma luminosidade invulgar.

Duvido muito porém que tenham sofrido adequações antrópicas, como aquelas magníficas de Urkuk, na Turquia, ou Meteora, na Grécia, ou Petra, na Jordânia.
Frequentemente as cidades perdidas aparecem no imaginário e no noticiário histórico brasileiro, a exemplo da famosa Manoa, capital do mítico El-Dorado, inutilmente procurado por diversas expedições portuguesas e espanholas nas regiões centrais do continente. Pode até ser que em sua busca (ou de outras riquezas) alguma expedição espanhola tenha atingido a célebre linha das Tordesilhas (uma ficção geográfica que dividia os dois reinos) é que passa próximo à Cidade Perdida dos Pirineus, em frente a qual existe o belo vale chamado dos Castelhanos, no município de Pirenópolis, no Planalto Central goiano.

Teriam sido eles também a dar o nome de Pirineus aquele grande maciço rochoso, quase uma “ilha” residual arqueana (um iceberg gigantesco, no dizer dos geólogos) – como gosta de sintetizar o Dr. Jamilo Thomé.



OS MONTES PERÍNICOS DE GOIÁS

Porém, a mais badalada das cidades perdidas, já no século XX, foi a do Roncador, no rio das Mortes, em Mato Grosso, a poucos quilômetros da fronteira goiana, em cuja busca desapareceu o explorador inglês, Sir Harry Percy Fawcett, em 1925. Em seu encalço vieram uma dezena de expedições estrangeiros, três das quais também desapareceram.

Segundo relatos da época, Fawcett teria encontrado uma civilização nos subterrâneos da Serra do Roncador e decidido viver ali para sempre.
Fato é que a denominação Pirineus, velha como a colonização de Goiás, deve pagar seu tributo aos Mons Pirinicius dos romanos, nome por que designaram os Montes Pirineus na Europa, fronteira natural entre a Gália e a Ibéria (hoje divisa entre França e Espanha).

Atravessamos umas duas ou três vezes os Pirineus europeus, entre os quais existe o insignificante principado de Luxemburgo. Lembro-me de transitar por altas serras frias, cobertas de florestas que se iam amenizando em montes arredondados, abertos para vales fundos e verdes, que muito lembram os derramamentos a norte e a leste dos Pirineus goianos, aos pés do qual espraia-se o Planalto Central brasiliense.


Arqueólogos e exploradores encontraram nos Mons Perinicius europeus extensas cavernas, em cujas mais remotas profundidades descobriram salas de rituais ornamentadas com pinturas e esculturas dos mais antigos povoadores da Europa. A grafia do nome Pirineus, vem diretamente da grafia francesa Pirenées (Pirenê), conforme gostavam de escrever nosso eruditos no século XIX, tanto que Pireneus e Pirenópolis escrevem-se com aquele esdrúxulo “e” no meio, que quase todo mundo pronuncia “i”.

Em fins do século XIX, houve a mudança do nome colonial da cidade de Meia Ponte, provincia de Goiás, para Pirenópolis, literalmente a pólis (cidade em grego) dos Pirineus.


Vista noturna da Rua do Lazer, em Pirenópolis

O DESCOBRIDOR DA CIDADE PERDIDA DOS PIRINEUS

O Dr. François Henry Trigant des Genettes, nasceu em 1801, próximo a Bordeaux, na França, de uma familia da nobreza provincial. UM de seus avós tinha o título de Conde d’Arlas. Formou-se em medicina na Brest e seguiu para o Brasil, depois de uma estadia em Marrocos, norte da África, onde deve ter conhecido ruínas de cidades romanas.


Segundo seu biógrafo Jarbas Jayme – grande genealogista brasileiro do século XX, um pirenopolino costumaz – viveu o Dr. Francisco (como era chamado) muitos anos no Triângulo Mineiro, nome que deu ao antigo sertão ex-goiano da Farinha Podre e ali tinha escolas de primeiras e segundas letras, além de ter fundado seus primeiros jornais, conclamando à independência do Triângulo, tese que vez por outra ressurge na história.
Teve garimpo de diamantes nos ribeirões Bagagem e Água Suja, naquela região, onde enriqueceu, dona de sofisticado lupanar, a famosa Dona Beja de Araxá e onde encontrou-se o também famoso diamante Estrela do Sul, considerado à época o maior do mundo.


Parece que des Genettes, no seu garimpo, não foi exitoso. Descobriu porém fosséis nos aluviões de que fez um desenho no manuscrito do Rio de Janeiro e que me pareceu ser o de um arqueopterix, o gigante alado do mesozóico.
Já beirava os 70 anos o nosso doutor quando chegou a Pirenópolis, disposto a fundar uma escola para jovens, que manteve por três anos. Desde esta época, colaborou com artigos volumosos sobre a geologia da região e do país, para o jornal “Provincia de Goyaz”, editado na velha capital de Goiás pelo poeta e desembargador Félix de Bulhões e pelo geólogo e musicista notável que foi o africano, maestro Marques Tocantins, casado com a branca, bela e aristocrática Ana Xavier de Barros, também musicista e compositora. Tudo isto cerca de 15 anos antes da abolição da escravatura no Brasil. Voltou o Dr. Des Genettes, anos depois, a Goiás e já viúvo, ordenou-se sacerdote na matriz de Pirenópolis. Foi vigário de Ipameri e Luziânia, onde escreveria um extraordinário relato sobre a região do Distrito Federal, que publiquei parcialmente. Finalmente faleceu em 1889, em uma povoação que fundara próximo à Ipameri, terras novas, para onde levara seus paroquianos pobres de Santa Luzia de Goiás.


Mas o que escreveu o Dr. Des Genettes na sua “Descripção da Cidade Perdida da Cordilheira dos Piryneos da Pronvincia de Goyaz”, em 1871, endereçada ao IHGB e dedicada ao Imperador – quase um arqueólogo – D. Pedro II?
No momento, tenho em mãos apenas a resenha que fiz do manuscrito do IHGB (há uns dez anos), prometendo para tão logo possa, redescobrir a íntegra no Rio de Janeiro.

Dizia o Dr. Des Genettes (segundo o meu resumo), ter descoberto nos Montes Pirínicos a Cidade Perdida dos Atlantes, cobrindo uma grande extensão de terreno, com muralhas para fortificações, largas ruas e praças, ao longo dos quais observou ruínas “muito erodidas” de estátuas, de templos gigantescos, teatros, palácios, residências e túmulos...
Parece-me que des Genettes tomasse como referência as grandes ruínas da Roma clássica e de centenas de gravuras (e de fotografias) que circulavam a sua época sobre as escavações na Mesopotâmia e no Egito. De fato, na época, era difícil diferenciar ruínas arqueológicas de fenomenos naturais.


Algumas das principais cidades da antiguidade, compareciam aos olhares apenas como “tell” (morros, em árabe) e que conduziu a sua descoberta foram principalmente relatos históricos e geográficos escritos cerca de 2.000 anos antes. Depois, as areias e os aluviões a tudo cobriram e a relva nasceu por cima.
No Brasil e nas Américas em geral sempre houve uma presunção (destituída hoje de argumentos sólidos), de uma ocupação recente. Niède Guidon mostrou porém nos seus sítios piauienses de 50, 40, 30, 20 e 10 mil anos, restos humanos sequenciais (às vezes ligados a pinturas) que são os mais antigos das Américas e tão antigos quanto o paleolítico europeu. O monumento de Sete Cidades, não longe dalí, contém pinturas que em tudo remetem às pinturas das serras de São Raimundo Nonato que também possui belas áreas ruiniformes.


O VALE DAS PIRÂMIDES E A CIDADE PERDIDA

As linhas em vermelho mostram as formas de piramides apresentadas pelos morros Dois Irmãos

Conheci a Cidade dos Pirineus, em aproximações sucessivas, desde abril de 2002. Levara-nos ali uma excelente fotografia aérea dos sobrevoos cartográficos do Planalto, de 1964, quando pesquisávamos para a Metago, ruinas de lavras de ouro na Serra Dourada e na Serra dos Pirineus, onde fotografamos trabalhos grandiosos da mineração antiga, ao contrário do que afirma nossa historiografia atual. Na referida foto aérea vê-se bem (com lente de aumento) a magnifica estrutura da Cidade Perdida, semelhante a um tabuleiro de xadrez, cujos riffs e entrecruzados, de fato, lembram as ruas de uma cidade.


O primeiro impacto das viagens que fizemos, foi a visão do Vale das Pirâmides, com suas duas formações areníticas piramidais, a maior delas com estimáveis 150 metros de altura (um prédio de 50 andares) até o fundo do abismo em que lança sua face para leste. Pelo fato de ter a mesma angulação com a piramide menor é que os colonizadores devem ter dado o nome de Córrego Dois Irmãos ao riacho a sua frente, por referência aos dois morros piramidais irmãos, com sua única face visível. Nas outras faces as formações são elevados morros de material xistoso, informou-nos, em campo, o Dr. Jamilo Thomé.



Visto pelo estereoscópio (e também de helicoptero) existe anexo ao territótio das pirâmides um dos mais profundos abismos que já me foi dado observar, talvez repositório de uma fauna e flora especiais, com possiveis cavernas atingindo aquífero da região. Um enigma a desvendar.
Qualquer país do planeta se orgulharia daquele cenário e faria todo possível para preservá-lo, entre seus ícones paisagisticos. E com rapidez, pois são visíveis na paisagem a deterioração feita por desmatamentos e extração de pedra clandestinos, de baixissimo retorno economico e social e de alto risco ambiental. (Nota de PC Castilho: durante a expedição que fizemos na região em 2004, o Prof. Paulo Bertran me designou para fazer um estudo detalhado da “pirâmide” mais alta. Sob a constante chuva fina que caia desde a chegada de nossa equipe na região, comecei a escalada pela face leste, praticamente desnuda de árvores, coberta apenas por uma vegetação rasteira. Comecei a circundar o morro onde existe um trecho de difícil travessia; o desmatamento da face leste fez com que parte do solo ficasse exposto às ações do tempo, soltando pequenas placas de pedras que deslizam por este lado, aumentando ainda mais a aplanação da face lateral e tornando um perigo para quem quiser passar por ali. Superado o obstáculo, cheguei à face norte. Do ponto em que estávamos inicialmente (na sede da fazenda do Dr. José Sahium), avistávamos uma mancha clara nesta face. Ali chegando constatei que se tratava de extração de pedras feita pelo homem, o que com certeza levará a total destruição daquela formação natural.)


Naquele dia 21 de abril de 2002, eu e minha mulher, esfolamos nosso inadequado carrinho naqueles picos e andamos à volta da serra em frente, dita de São Gonçalo, onde topamos e fotografamos alguns vestígios da Cidade de Perdida do Dr. des Genettes, cujas descrições imediatamente me vieram à cabeça. Cerca de 130 anos depois, confirma-se a Cidade Perdida do Dr. des Genettes. Uma das razões de ter demorado tanto é que pelas atuais e antigas estradas de acesso, é muito difícil visualizá-la como um todo. Só poucos homens a pé e alguns cavaleiros, como o Dr. des Genettes, poderiam tê-la conhecida nos séculos anteriores. Meses depois, conheci, por absoluto acaso, o Dr. José Sahium, médico psicanalista em Goiânia.

Numa conversa rápida, verifiquei que aquela área principal ruiniforme do morro de São Gonçalo lhe pertencia. Disse-me desejava construir ali uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), cuja legislação restritiva obriga o proprietário – mesmo em caso de venda a terceiros ou em sucessão hereditária – a manter preservação integral da área determinada dentro da reserva.
De posse de diversas informações e fotografias, mostrei-as ao respeitado amigo pirenopoliano Dr. Pompeu de Pina, que nos levou ao encontro do governador Marconi Perillo.


Mostrei para nosso jovem governador algumas das fotos que fizera e dos desdobramentos turísticos que poderiam conter. Respondeu-me que era o tipo de ação que gostava e que eu deveria prosseguir no estudo com o apoio do governo goiano. Sugeri que o então Secretário de Meio Ambiente, Paulo de Souza, coordenasse uma comissão de técnicos de diversas áreas para uma visita à cidade, o que aconteceu finalmente em 21 de dezembro de 2004, dia propício em que ocorre o solstício de verão no hemisfério sul.
E até aqui estamos, em janeiro de 2005, organizando um encontro com os companheiros de jornada. Fica porém a questão mediada: seria a Cidade Perdida dos Pirineus apenas um capricho geológico, ou ruínas muito erodidas que sofreram no passado reesculturas antrópicas como Meteora na Grécia, Urkuk na Turquia e Petra na Jordania, as três mais importantes Cidades de Pedras do Planeta?


TEMOR DE DEPREDAÇÃO


Uma das grandes preocupações do Professor Paulo Bertran era a de que, ao ser aberta para visitação pública, a área da cidade de pedras fosse depredada. Por enquanto esse perigo está afastado. Logo após a redescoberta do local, houve alguns desentendimentos entre proprietários e políticos e o assunto acabou caindo no esquecimento. Após a morte do saudoso e glorioso Bertran, parece que a cidade vai se “perder” novamente.



Bertran achava que era preciso investir em sua proteção, criando uma área maior em todo o entorno, de cerca de 5 mil hectares, para assegurar que tudo esteja salvo de depredações. Ele também sugeria o treino de guias turisticos para atuar na área, impedindo o vandalismo e contando aos visitantes a história da origem do lugar, como tudo aquilo se formou..


2 comentários:

  1. Anônimo10:12 AM

    Ótima materia!!Precisamos valorizar mais nossa flaura e flora do cerrado e de todo o Brasil.Quanta riqueza.

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  2. Com muito orgulho venho dizer que sou tataraneto do Sr Francisco des Genettes e sei grande parte de sua histohis, aliás muito rica em grandes feitos. Aceito qualquer outras informações sobre ele, se alfual as tiver. Obrigado.

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