Sabe aquelas ocasiões em que você não está pensando em fazer nada?
Pois é, assim estava eu naquele sábado, 25 de junho, até que meu cunhado apareceu em casa e me convidou para uma viagem até o lago Serra da Mesa.
Seria a chance que eu queria para poder fazer um 'camping' para testar meu equipamento. Eu ficaria acampado na região por sete dias, tempo mais que suficiente para constatar o que realmente seria de uso no meio de tanto equipamento.
Saímos de Goiânia no dia seguinte, às 15 horas e chegamos ao nosso destino às 21:30 hs. Nos hospedamos na casa de um primo, o Zezé, que fica na região entre Niquelândia e Uruaçu-GO.
Fomos recepcionados por uma cobra Coral, que estava confortavelmente alojada na janela da cozinha.
No dia seguinte, era hora de preparar o equipamento. Por sorte encontrei algumas ramas de chá no quintal da casa do Zezé... erva-cidreira (de rama e folha), que peguei em grande quantidade e acondicionei em embalagens plásticas. Seriam parte do meu cardápio nos dias seguintes. Optei por abrir mão do leite e café em pós que eu havia levado.
Aproveitei para colher informações sobre a região e sugestões de possíveis lugares onde eu poderia montar meu acampamento. Me disseram que a região na direção do rio Castelão não era indicada devido ao fato de onças terem sido avistadas no local. Segundo eles, os locais mais indicados para a minha estadia seria para o lado do rio Maranhão, que está bem mais habitado e com isso eu correria menos perigo de ser surpreendido por algum animal.
A região do rio Castelão tem mata abundante, mas o grande problema é o solo, formado de uma terra branca cheia de pequenas pedras.
Por sorte encontrei uma porção de terra sem nenhuma pedra, com o solo coberto pelas folhas que caem das árvores. O local era bastante arborizado e limpo, sem aquele emaranhado de vegetação que cresce entre as árvores. No local encontrei fezes de gado, que provavelmente são os responsáveis por "limpar" a mata durante sua passagem.
Cobra camuflada entre a vegetação (no círculo em vermelho)
É preciso tomar muito cuidado com esses terrenos cobertos de folhas, local ideal para as cobras se camuflarem. Pensando nesse detalhe, fiz uma limpeza cuidadosa onde eu iria montar minha barraca.Durante a limpeza do terreno acabei cometendo o pecado de derrubar alguns casulos de minhocuçus, que são abundantes no local.
Conhecidas cientificamente pelo nome de Rhinodrilus Alatus, as populares Minhocuçus são minhocas que podem atingir entre 40 e 60 centímetros e ter uma largura de até 1,4 cm.
Eu ainda não conhecia esses casulos, apesar de saber de sua existência e encontrá-los na natureza foi uma grata satisfação.
Felizmente os casulos que derrubei foram prontamente recuperados. Em questão de poucas horas eles haviam sido reconstruídos...
A Minhocuçu possui uma cor entre o preto e ligeiramente avermelhado e são hábeis em produzir uma quantidade e qualidade de húmus incomparáveis, mesmo vivendo a não mais do que alguns centímetros abaixo da terra.
Possui características bastante particulares. Dedicam o mês de março ao recolhimento em uma espécie de hibernação em buracos com até 30 cm no subsolo.
De acordo com os amantes da boa pesca, não há nada que se compare a uma minhocuçu como isca para as diversas espécies de peixes, como Dourado, Pacu, Pintado, Traíra, entre outras variedades que não resistem á sua presença.
Já a partir de setembro (quando termina a hibernação), torna-se mais difícil a captura das minhocuçus, pois é também o período que elas escolhem para a reprodução (entre setembro e fevereiro).
A minhocuçu é uma espécie típica da região sudeste do país, bastante apreciadora das regiões do cerrado brasileiro e de outras regiões com solo fértil e rico em matéria orgânica.
A comercialização desse tipo de espécie sem autorização do Ibama é crime!
A venda irregular do minhocuçu tem chamado a atenção das autoridades, especialmente no estado de Minas Gerais, onde elas correm os maiores riscos de extinção.
Barraca montada. Agora era hora de providenciar uma mesa. Cortei alguns galhos (abundantes na árvore conhecida como Carvoeira), o que minimizou os danos na natureza: cortar galhos, nunca árvores.
O cardápio foi farto e variado, enriquecido com alguns pescados do local.
O primeiro dia foi praticamente ocupado com a montagem do acampamento e um pequeno passeio de reconhecimento pela mata.
Escurece cedo e às 19 horas eu já estava me recolhendo para dormir.
Levei um painel solar com uma luz, para iluminar o acampamento, já que optei por não fazer fogueira. O solo encoberto por folhas secas oferecia grande risco de incêndio e preferi não arriscar.
Já recolhido em minha barraca para dormir. A luz solar está ligada do lado de fora.
O grande problema de se deitar cedo é que se acorda cedo também. Acordava todos os dias por volta das 4 horas da manhã. A sorte é que eu havia levado o meu Kindle e, enquanto o sol não aparecia, eu ficava ali lendo alguma coisa.
No dia seguinte, terça-feira, fui fazer uma exploração de caiaque pelo lago. A ideia era encontrar o leito do rio Castelão. Remei por quase todo o dia, percorrendo verdadeiros labirintos de água e vegetação. O lago encontra-se em sua carga máxima de água e invadiu margens cobertas por árvores.
Foram percorridos mais de 20 km por água e, olhando posteriormente no Wikiloc (App que uso para navegação), vi que passei bem próximo de encontrar o rio. Se eu tivesse remado por mais 700 metros eu o teria encontrado.
Todos os dias em que fiquei acampado por ali, uma vara de porcos passava por uma trilha logo abaixo de onde eu estava... um casal e dois filhotes. No primeiro dia eles ficaram me olhando, curiosos com o invasor. A partir do segundo dia passavam sem nem ao menos olhar para mim.
Nos dias seguintes me dediquei a explorar o lago para o lado do rio Maranhão, uma vastidão sem fim de água que chega a dar um frio na barriga quando se está lá no meio. De manhã era fácil remar, difícil era na parte da tarde, quando as marolas começavam a se formar
Eu raramente ficava sem meu equipamento de filmagem/foto, mas certa tarde, enquanto tirava um cochilo em minha rede, fui acordado pela algazarra de um bando de macacos na palmeira ao meu lado. Nem pensei em me levantar para pegar o equipamento, os macacos com certeza iriam se assustar e iriam embora. Preferi permanecer imóvel na rede e observá-los. Eram macacos guaribas. Estavam se alimentando com os côcos da palmeira.
A vegetação típica do local onde fiquei era formada basicamente por três tipos de árvores: palmeiras, carvoeira e esse outra árvore com o tronco encoberto por espinho, que lembra muito as paineiras.
Foram sete dias que passaram como se fossem três. Em momento algum bateu o tédio... preguiça e sono eram constante, devido ao silêncio total, que no final da tarde era quebrado pelo estardalhar das araras e periquitos aninhados nas palmeiras próximas dali.
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