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BEM-VINDOS ao nosso blog.
PAULO CÉSAR CASTILHO
asado e pai de uma linda garota.
BEM-VINDOS ao nosso blog.
PAULO CÉSAR CASTILHO
asado e pai de uma linda garota.
A partir de hoje nós estaremos sempre em contato através de nosso “blog”.
Sou um apaixonado pelo nosso estado. Aqui nasci e aqui vivo.
Encravado no “Coração do Brasil”, Goiás possui belezas naturais e históricas que precisam ser divulgadas. Foi então que decidi criar este espaço. Aqui pretendo mostrar um pouco de cada dessas coisas, tudo de forma bem simples, como se estivéssemos batendo um papo na mesa de um barzinho (muito à moda goiana).
Nossa intenção aqui é preservar, divulgar e valorizar a história de nosso Estado, de nossos municípios e de nosso povo.
Aqui você sempre encontrará contos, histórias e fatos narrados por diversos autores e até mesmo por pessoas comuns, que foram testemunhas ou viveram fatos que merecem ser destacados.
Entretanto, se você tem uma boa história para contar, não perca tempo. Entre em contato conosco:
Inaugurando a nossa página, apresentamos um trecho do livro “CRÔNICAS DE MINHA TERRA – Casos – História – Cotidiano”, de Joaquim Graciano de Barros Abreu.Segundo o autor, Goianidade é uma característica especial. Simples, hospitaleiro, cordial, o goiano valoriza a família e ama a Natureza
Tenham uma boa leitura.
Aguardo nova visita sua em breve.
Tenham uma boa leitura.
Aguardo nova visita sua em breve.
PC Castilho
Goiânia – anos 1940
TIÃO BURRO PRETO
por Joaquim Graciano de Barros Abreu
I
No meu tempo de infância o tipo de rua mais original que passou por Goiânia foi o “Burro Preto”. Por mais paradoxal que pareça, a verdade é que ele, dentro de seu mundo de debilidade mental, tinha uma grande personalidade. Sempre vestido com terno de linho branco, gravata vermelha, cabelo todo glostorado, ele impunha medo e curiosidade entre a meninada.
Tião Burro Preto gostava muito de festas, sobretudo de comícios eleitorais. Gostava também de tomar uma “birita” no bar do Grande Hotel, onde sempre aparecia um gaiato para lhe chamar pelo apelido, o que provocava o maior xingatório. Aí então eram gritados os nomes mais feios e cabeludos. As mocinhas tampavam os ouvidos e ficavam vermelhas de vergonha.
II
Não podia ter um comício em Goiânia, que o Burro Preto estava presente. E o pior é que ele estragava o comício. Trepava num caixote ou noutra coisa qualquer e largava a sua inflamada oratória. Acontecia então, que todo mundo do comício deixava de ouvir o orador do palanque, para poder apreciar a catilinária do Tião. O público do Burro Preto acabava sendo maior que o do comício. Num comício desses, um membro do antigo PSD queria mandar prendê-lo. Tião entretanto era querido. Policial nenhum ousava encarcerá-lo. Se tal acontecesse, a revolta, sobretudo dos estudantes, seria fatal.
III
Um dia os políticos chegaram à conclusão que, o melhor meio de neutralizar o Tião Burro Preto, seria dar-lhe a palavra durante o comício. Assim o povo divertia por alguns minutos e tudo terminava bem.
Chegou a vez de Tião falar, logo depois de um cabo eleitoral da Vila Nova. Recebido com aplausos, pegou o microfone e começou o seu discurso, como sempre enaltecendo a figura do Dr. Pedro, então governador.
Aí acontecia o que muitos temiam. Um gaiato, no meio da platéia, gritou: “Cala boca, Burro Preto!”.
A “tempestade” então aconteceu. Tião arruma o nó da gravata, chega o microfone mais perto da boca e solenemente, pausadamente, soletrando sílaba por sílaba, desabafa: “Burro Preto é a puta que te pariu!”. Daí, aos gritos, continuou enumerando os filhos disso e daquilo e muitas coisas sujas.
O comício teve que ficar parado por bons minutos, enquanto Tião, muito bravo, era levado para casa. A banda da policia aproveitou o intervalo para tocar um valente dobrado.
TIÃO BURRO PRETO
por Joaquim Graciano de Barros Abreu
I
No meu tempo de infância o tipo de rua mais original que passou por Goiânia foi o “Burro Preto”. Por mais paradoxal que pareça, a verdade é que ele, dentro de seu mundo de debilidade mental, tinha uma grande personalidade. Sempre vestido com terno de linho branco, gravata vermelha, cabelo todo glostorado, ele impunha medo e curiosidade entre a meninada.
Tião Burro Preto gostava muito de festas, sobretudo de comícios eleitorais. Gostava também de tomar uma “birita” no bar do Grande Hotel, onde sempre aparecia um gaiato para lhe chamar pelo apelido, o que provocava o maior xingatório. Aí então eram gritados os nomes mais feios e cabeludos. As mocinhas tampavam os ouvidos e ficavam vermelhas de vergonha.
II
Não podia ter um comício em Goiânia, que o Burro Preto estava presente. E o pior é que ele estragava o comício. Trepava num caixote ou noutra coisa qualquer e largava a sua inflamada oratória. Acontecia então, que todo mundo do comício deixava de ouvir o orador do palanque, para poder apreciar a catilinária do Tião. O público do Burro Preto acabava sendo maior que o do comício. Num comício desses, um membro do antigo PSD queria mandar prendê-lo. Tião entretanto era querido. Policial nenhum ousava encarcerá-lo. Se tal acontecesse, a revolta, sobretudo dos estudantes, seria fatal.
III
Um dia os políticos chegaram à conclusão que, o melhor meio de neutralizar o Tião Burro Preto, seria dar-lhe a palavra durante o comício. Assim o povo divertia por alguns minutos e tudo terminava bem.
Chegou a vez de Tião falar, logo depois de um cabo eleitoral da Vila Nova. Recebido com aplausos, pegou o microfone e começou o seu discurso, como sempre enaltecendo a figura do Dr. Pedro, então governador.
Aí acontecia o que muitos temiam. Um gaiato, no meio da platéia, gritou: “Cala boca, Burro Preto!”.
A “tempestade” então aconteceu. Tião arruma o nó da gravata, chega o microfone mais perto da boca e solenemente, pausadamente, soletrando sílaba por sílaba, desabafa: “Burro Preto é a puta que te pariu!”. Daí, aos gritos, continuou enumerando os filhos disso e daquilo e muitas coisas sujas.
O comício teve que ficar parado por bons minutos, enquanto Tião, muito bravo, era levado para casa. A banda da policia aproveitou o intervalo para tocar um valente dobrado.
AVENIDA GOIÁS E GRANDE HOTEL (1936)
(Projeto Álbum – 60 Anos Jornal O Popular)
As instalações desse hotel eram uma imensa novidade, com seus apartamentos, banheiros completos com água quente e fria, salas de estar, luminárias sofisticadas, telefones e campainhas em todos os quartos, um bar quase europeu e um restaurante de fino trato.
Nos anos seguintes e até os anos 60 (mesmo depois do golpe militar de 1964), o Grande Hotel tornar-se-ia um dos pontos de encontro da cidade, sobretudo depois de 1946, quando a Assembléia Legislativa instalou-se do outro lado da rua, junto à Brasserie, o bar/sorveteria mais refinado da cidade. Durante esse tempo, as calçadas do Grande Hotel eram freqüentadas por intelectuais e políticos e, nas noites de sábado e domingo, o passeio defronte o local do footing, que atraía toda a gente jovem da cidade.
Goiânia não teve só o Grande Hotel, é claro. Ao longo dos anos 40 – além dos hotéis e pensões de Campinas – foram surgindo vários: o Marmo Hotel, preferido dos viajantes e que ficava na Anhanguera, entre as ruas 20 e 24; Hotel Coimbra (Araguaia c/ Rua 4, onde hoje há uma choperia; Pensão Goiandira (Rua 20, logo abaixo da Anhanguera); Pensão Triângulo (Rua 20 c/ Rua 5); Hotel América (Rua 23); Hotel Itajubá (Rua 4) e Hotel Sto. Antoninho (Rua 68).
Mas, em 1936, na Avenida Goiás quase imaginária, dois riscos de terra batida e precários postes de eletricidade, tendo ao fundo o vulto do palácio em construção, da Secretaria Geral e alguns barracões de obras que se iniciavam, o Grande Hotel reinava, soberano e solitário.
UMA TREMENDA COINCIDENCIA
Sempre que posso, passo algumas horas dentro de uma loja de livros usados, à procura de alguma “peça” rara. Antigamente eu fazia essas visitas por questões de preços. Os livros costumavam ser sempre mais baratos que os novos. Hoje a coisa mudou. Os donos dessas lojas parecem que perderam a noção dos preços dos livros e chegam a cobrar valores que se igualam ao preço de um livro novo... e quando eles vão comprar esses livros, pagam quase nada por eles.
Na última visita que fiz, em abril do ano passado (2005), encontrei quase uma dezena de bons livros em uma mesma livraria. Entre os livros estava um que eu nem sabia do que se tratava, mas me chamou a atenção devido a sua capa, onde aparecia um belo índio brasileiro (“Chacina do Meruri – a Verdade dos Fatos”, de José Mario Guedes Miguez).
São tantos os livros que vou adquirindo que eles acabam ficando na estante, aguardando um momento oportuno para serem lidos, como foi o caso do livro citado.
Em março de 2006, enquanto eu estava na Fan’s House (local onde trabalho fazendo gravações de discos de vinil e fitas K-7 p/ CD), fui procurado pela antropóloga e professora da Universidade Federal de Goiás, Mari Baiocchi. Ela precisava fazer a transposição de alguns discos de vinil, que continham cânticos indígenas (Xavantes). O trabalho acabou me despertando o interesse em ler alguma coisa sobre os índios. Como tenho vários livros sobre o assunto e que ainda não foram lidos, lembrei-me daquele com a bela fotografia na capa.
Comecei então a ler o “Chacina do Meruri”, que narra os acontecimentos reais ocorridos entre índios e fazendeiros na região da cidade de Barra do Garças, na segunda metade dos anos ’70, quando houve ali um conflito entre as duas partes. O livro apresenta documentos originais transcritos na integra.
Quando terminei de lê-lo, fiquei com aquele gostinho de “quero mais”. Gosto de me aprofundar ao máximo no assunto que estou lendo e sempre vou em busca de mais informações. No caso deste livro, eu não via muitas chances de obter mais alguma coisa, a não ser uma conversa com a Prof. Mari Baiocchi, que poderia me passar mais detalhes.
Justamente no dia em que acabei de ler o livro, dia 11 de abril de 2006, uma pessoa me ligou perguntando se eu gravava de fitas K-7 p/ CD. Após a confirmação, a pessoa me procurou e me passou 5 (cinco) fitas. Disse que se tratava da gravação do julgamento de um crime ocorrido em Barra do Garças nos anos ’70 (!!). Arrepiei-me no momento. Ela me confirmou que se tratava do caso da CHACINA DO MERURI.
Putz grila!!!! Não era possível. Eu acabara de ler o livro naquele mesmo dia!! Pra tornar o caso ainda mais intrigante, fui informado que ela própria teve muita dificuldade em conseguir um exemplar do livro, que teve uma tiragem muito pequena.
Dessa forma eu pude então ouvir todo o processo, que está praticamente todo documentado no livro.
Coincidência, muita coincidência.
CHACINA DO MERURI – A VERDADE DOS FATOS
por José Mario Guedes Miguez
NOTÍCIA VEICULADA PELO JORNAL “O GLOBO”(25.07.76)
“PRESO CHEFE DA CHACINA DE MERURE”
“BARRA DO GARÇAS, MATO GROSSO (De Daniel Lopes e Marcos Arruda, enviados especiais de O GLOBO) – O fazendeiro José Antonio Miguez, um dos três chefes do ataque à aldeia dos indios bororos, em Merure, entregou-se ontem pela manhã à Policia, na Delegacia de Barra do Garças. Ele estava acompanhado do seu advogado.
O preso, depois de ouvido na Delegacia de Barra do Garças, foi levado para o 1° Batalhão Independente de Policia Militar, a quatro quilômetros da cidade, onde ficará até segunda-feira, quando será transferido para Cuiabá – segundo informou o comandante da corporação, Major Loureto.
BILHETE
No depoimento prestado, José Antonio Miguez, de 36 anos candidato a vereador pela Arena, em Barra do Garças, disse que foi chamado pelo fazendeiro Antonio Nonato, através de um bilhete, para participar do embargo aos trabalhos da demarcação na Reserva Indígena de Merure, no dia 15 deste mês.
- Ao receber o bilhete de Nonato – disse – convidou-me para reunir-me no dia seguinte, às 14 horas, num bar nas imediações da aldeia, não esperava que fosse surgir qualquer crime. Meu objetivo era apenas saber se as medições estavam sendo feitas legalmente. Quando surgiu o tiroteio procurei me esconder atrás de uma camioneta, para salvar a vida, e não vi quem atirou no Padre Rodolfo.
PRECAUÇÕESPoucas horas depois da prisão de José Antonio Miguez, dois padres e três agentes da Policia Federal vieram da aldeia de Merure para constatarem se realmente o fazendeiro estava preso. Eles também disseram ao delegado regional, Capitão Moacir do Couto, que os índios continuavam irritados e todas as precauções deveriam ser tomadas para evitar um ataque contra o preso e seus parentes.
O Capitão Moacir do Couto disse que aguarda, para este fim de semana a prisão dos outros dois lideres do ataque à aldeia dos índios, o fazendeiro João Marques de Oliveira – conhecido como “João Mineiro” – e o barbeiro Alaor Borges, foragidos desde o dia 16.
A Força Policial que chegou sexta-feira a Merure, aumentando o número de soldados presentes – agora são 70 homens da PM – foi o principal motivo da decisão de José Antonio Miguez em se entregar à Policia, temeroso de ser preso e sofrer condenação maior.
Para hoje a Policia espera prender o fazendeiro Antonio Nonato, candidato a prefeito em General Carneiro, agora acusado de ser um dos organizadores do plano para atacar a aldeia dos bororos, que culminou com a morte de três pessoas – um padre, um branco e um índio – e ferimentos em outros cinco.
A Policia Militar aconselha os fazendeiros que moram perto de Merure e São Marcos a se afastarem por algum tempo, pois acha que já não impedirá os índios de fazer incursões noturnas às suas propriedades, a fim de vingar a morte do índio Simão Cristino. Por isso, mais de 20 famílias já saíram das fazendas, depois que 150 xavantes armados cercaram e prenderam o fazendeiro Noil Borges de Oliveira, entregando-o à Policia”.
“A Força dos Documentos Mostra o Reverso da Medalha”
É essencial e imprescindível à narrativa histórica, o estabelecimento e o rigor da verdade documental. Tal pressuposto cientifico é tão curial que a sabedoria popular transformou em axioma a expressão: contra fatos não há argumentos. E o documento é o testemunho concreto do fato... Com base na amostragem documental, arcabouço e cerne da estrutura da obra histórica, é que deve partir o narrador para as conclusões que se fizeram pertinentes. Não obstante, tais conclusões não podem, nem devem, impor-se por si mesmas senão como decorrência natural do exame documental. A análise histórica é, por assim dizer, filha predileta do documento. Daí a imperiosa necessidade de recolher-se, com isenção e amplitude, todos absolutamente todos, os documentos atinentes ao tema em estudo. Só assim terá aquele que se propôs a elaborar um trabalho de cunho histórico, realizado cabalmente sua tarefa.
O grande mérito do trabalho presente é, sem dúvida alguma, o de ter recolhido o maior número possível de documentos referentes ao tema que apresenta. Se se exime no entanto de uma análise circunstanciada, quer do ponto de vista histórico quer do político, e isto é aliás sua grande lacuna, não obstante há uma razoável fartura documental.
E o que foi, ou o que é, o acontecimento conhecido jornalisticamente como a “Chacina do Meruri”, senão uma imensa sombra permeando a realidade dos fatos. Apenas um ou outro dado do problema foi mostrado nas páginas da imprensa que voltou-se sobre o episódio do entrevero entre padres, índios e fazendeiros. Todavia, uma dicotomia estava criada. De um lado, um enfoque, digamos “nacional”, em que se condena os fazendeiros, erroneamente tidos como posseiros e invasores e conseqüentemente havidos como agressores, e de outro, uma visão local, diametralmente oposta. Daí inclusive o espanto, e até certa indignação, da imprensa quando os fazendeiros implicados no referido episódio foram absolvidos pelo júri popular no julgamento de Barra do Garças.
E onde está a verdade? Ela aflora soberana da concretude documental ora mostrada. E José Mario mostra documentos, e praticamente se exime de narrar em seus próprios termos. Para ele o documento é tudo. É, não obstante, elementar que um fato não existe por si só mas é fruto de um encadeamento natural de acontecimentos e circunstâncias muitas vezes de menor ligação entre si. Assim, há que se buscas causas as mais longínquas. E o autor, vai longe e mostra-nos aspectos por vezes pouco conhecidos do problema quando, por exemplo, transcreve parte do áspero mas insuspeito relatório do ínclito matogrossense Marechal Candido Mariano Rondon enviado, em julho de 1911, ao então Ministro Pedro Toledo, da pasta a Agricultura. Não apenas esse relatório transcreve o autor. Documentos cartorais mostram as diferentes maneiras com que foram adquiridas as terras, hoje reivindicadas para reservas indígenas. José Mario volta igualmente suas baterias contra aquele órgão que considera como “o maior inimigo do índio”: a FUNAI.
Uma das falácias propagadas aos quatro ventos e amplamente divulgada, sobretudo após o resultado do julgamento dos fazendeiros barragarcenses, é a de que a população da região é inimiga dos silvícolas. Porém, os que aqui convivem na faina do trabalho diário ou os que estiverem, em algum momento ligado à região, sabem perfeitamente que o índio sempre foi, raras exceções, aceito pacificamente no convívio. Historicamente não se tem noticias de nenhum choque de conseqüências graves entre os aborígenes e os pioneiros aqui chegados nas levas da busca diamantífera, nos inícios do século, ou mesmo posteriormente, em fins da década de quarenta com a chamada Expedição Roncador-Xingu. Se existiu algum entrevero, e por certo houveram, esteve ele sempre circunscrito a pequeno entrechoques, típicos e até comuns aos contatos entre as civilizações antípodas. A verdade porém, relevada a circunstância apontada, é de que não se pode indicar ter existido aqui, em qualquer época e circunstância, um claro e manifesto desejo de combater, destruir e aniquilar índios ou arrasar e eliminar seus aldeiamentos. Os silvícolas, nas suas características civilizatórias, sempre perambularam pelas fazendas e agrupamentos humanos da região, estabelecendo com a população “branca” um modus vivendi bastante amigável, pacífico mesmo. As exceções desse processo variaram naturalmente, tanto de época e circunstancia quanto variáveis foram os contatos que estabeleciam uma ou outra nação indígena com as frentes de penetração. E se os bororós e Carajás, por exemplo, foram sempre mais acessíveis e permeáveis aos contatos, já os xavantes, temíveis e bravos guerreiros, que só recentemente se aculturaram, foram os que maior resistência opuseram. Mas, patenteadamente, o contato, sem as características do choque físico de graves proporções, foi, e tem sido, a regra geral.
Que houve violências de outra ordem, não desconhecemos, e é até impossível negá-las, já que eles perduram. A imposição da cultura “branca” sobre a indígena, tida como inferior apenas porque não dispunha de aparatos técnicos que pudessem se contrapor materialmente à cultura tida como superior e que he era imposta, foi, e é, sem dúvida alguma, uma forma de violentação. É necessário contudo que se sublinhe que essa imposição cultural deveu-se menos às levas errantes de garimpeiros e primitivos fazendeiros, que desde há décadas haviam iniciado a penetração do meio-oeste, (todos eles sertanejos semi-analfabetos e até a grande maioria, sem nenhum traço cultural), do que a outros fatores. E a esse respeito é interessante ler a transcrição que o autor faz de trechos do artigo de Pedro Rocha Jucá sobre – “A Epopéia de Rondon”, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
A questão indígena no país é seguramente um dos muitos problemas que requerem urgência e seriedade para o seu equacionamento. Todos somos concordes em que os índios devam ser protegidos, e essa proteção inclui com certeza a demarcação e delimitação de suas terras. A criação das reservas é parte dessa política. Todavia, o que se questiona com ênfase nesta região, é a forma e as conseqüências com que ela vem sendo feita. Eis que, o espectro do problema indígena na região não se apresenta de forma idêntica a de algumas outras regiões do país em que há conflitos permanentes e constantes, sempre com violações de territórios indígenas, anteriormente já reconhecidos em leis.
A especificidade do problema indígena em Barra do Garças surge assim em toda a sua força. É que aqui, muitas das reservas foram criadas em áreas não primitivamente indígenas (isto é, no recuo histórico conhecido). Paradoxalmente, ocorre o fato de que a presença indígena nestas áreas tenha sido mais recente que a de fazendeiros ou caboclos. Um exemplo típico é o ocorrido na atual reserva de São Marcos, para onde, no ano de 1966, centenas de xavantes foram transferidos conforme aliás acentua o bispo Dom Pedro Casaldaliga, em sua Pastoral da Amazônia. De outra parte, inúmeros fazendeiros – e não posseiros, como soe pode ser divulgado eram proprietários de terras legalmente adquiridas do Estado de Mato Grosso, e, cumprindo as exigências para a obtenção de linha de crédito do Banco do Brasil, possuíam certidão negativa de inexistência de pretensões indígenas sobre a área, fornecidas pela FUNAI – órgão oficial da “política” indígena no pais.
Assim através dos documentos e dos fatos narrados, José Mario, em pinceladas rápidas mas não superficiais, vai traçando o retrato da situação que tragicamente resultou na chamada “Chacina do Meruri”. O que falta em narração mais circunstanciada ou análise detalhada é suprido pelos documentos amplamente mostrados.
Este trabalho surge, portanto, num momento em que são abertas as comportas da discussão democrática em nosso país, embora mal refeito do tempo em que a crítica, ainda que construtiva e escudada na verdade, era crime perigoso. José Mario traz então à discussão um grave problema que requer urgente solução. Discutamo-lo pois, democraticamente em busca de soluções viáveis e necessárias para que nosso chão, generoso encontro de raças e fértil caldeamento de culturas, não seja novamente manchado pelo sangue de irmãos.
Barra do Garças, Julho de 1980
C.G.C.
Sempre que posso, passo algumas horas dentro de uma loja de livros usados, à procura de alguma “peça” rara. Antigamente eu fazia essas visitas por questões de preços. Os livros costumavam ser sempre mais baratos que os novos. Hoje a coisa mudou. Os donos dessas lojas parecem que perderam a noção dos preços dos livros e chegam a cobrar valores que se igualam ao preço de um livro novo... e quando eles vão comprar esses livros, pagam quase nada por eles.
Na última visita que fiz, em abril do ano passado (2005), encontrei quase uma dezena de bons livros em uma mesma livraria. Entre os livros estava um que eu nem sabia do que se tratava, mas me chamou a atenção devido a sua capa, onde aparecia um belo índio brasileiro (“Chacina do Meruri – a Verdade dos Fatos”, de José Mario Guedes Miguez).
São tantos os livros que vou adquirindo que eles acabam ficando na estante, aguardando um momento oportuno para serem lidos, como foi o caso do livro citado.
Em março de 2006, enquanto eu estava na Fan’s House (local onde trabalho fazendo gravações de discos de vinil e fitas K-7 p/ CD), fui procurado pela antropóloga e professora da Universidade Federal de Goiás, Mari Baiocchi. Ela precisava fazer a transposição de alguns discos de vinil, que continham cânticos indígenas (Xavantes). O trabalho acabou me despertando o interesse em ler alguma coisa sobre os índios. Como tenho vários livros sobre o assunto e que ainda não foram lidos, lembrei-me daquele com a bela fotografia na capa.
Comecei então a ler o “Chacina do Meruri”, que narra os acontecimentos reais ocorridos entre índios e fazendeiros na região da cidade de Barra do Garças, na segunda metade dos anos ’70, quando houve ali um conflito entre as duas partes. O livro apresenta documentos originais transcritos na integra.
Quando terminei de lê-lo, fiquei com aquele gostinho de “quero mais”. Gosto de me aprofundar ao máximo no assunto que estou lendo e sempre vou em busca de mais informações. No caso deste livro, eu não via muitas chances de obter mais alguma coisa, a não ser uma conversa com a Prof. Mari Baiocchi, que poderia me passar mais detalhes.
Justamente no dia em que acabei de ler o livro, dia 11 de abril de 2006, uma pessoa me ligou perguntando se eu gravava de fitas K-7 p/ CD. Após a confirmação, a pessoa me procurou e me passou 5 (cinco) fitas. Disse que se tratava da gravação do julgamento de um crime ocorrido em Barra do Garças nos anos ’70 (!!). Arrepiei-me no momento. Ela me confirmou que se tratava do caso da CHACINA DO MERURI.
Putz grila!!!! Não era possível. Eu acabara de ler o livro naquele mesmo dia!! Pra tornar o caso ainda mais intrigante, fui informado que ela própria teve muita dificuldade em conseguir um exemplar do livro, que teve uma tiragem muito pequena.
Dessa forma eu pude então ouvir todo o processo, que está praticamente todo documentado no livro.
Coincidência, muita coincidência.
CHACINA DO MERURI – A VERDADE DOS FATOS
por José Mario Guedes Miguez
NOTÍCIA VEICULADA PELO JORNAL “O GLOBO”(25.07.76)
“PRESO CHEFE DA CHACINA DE MERURE”
“BARRA DO GARÇAS, MATO GROSSO (De Daniel Lopes e Marcos Arruda, enviados especiais de O GLOBO) – O fazendeiro José Antonio Miguez, um dos três chefes do ataque à aldeia dos indios bororos, em Merure, entregou-se ontem pela manhã à Policia, na Delegacia de Barra do Garças. Ele estava acompanhado do seu advogado.
O preso, depois de ouvido na Delegacia de Barra do Garças, foi levado para o 1° Batalhão Independente de Policia Militar, a quatro quilômetros da cidade, onde ficará até segunda-feira, quando será transferido para Cuiabá – segundo informou o comandante da corporação, Major Loureto.
BILHETE
No depoimento prestado, José Antonio Miguez, de 36 anos candidato a vereador pela Arena, em Barra do Garças, disse que foi chamado pelo fazendeiro Antonio Nonato, através de um bilhete, para participar do embargo aos trabalhos da demarcação na Reserva Indígena de Merure, no dia 15 deste mês.
- Ao receber o bilhete de Nonato – disse – convidou-me para reunir-me no dia seguinte, às 14 horas, num bar nas imediações da aldeia, não esperava que fosse surgir qualquer crime. Meu objetivo era apenas saber se as medições estavam sendo feitas legalmente. Quando surgiu o tiroteio procurei me esconder atrás de uma camioneta, para salvar a vida, e não vi quem atirou no Padre Rodolfo.
PRECAUÇÕESPoucas horas depois da prisão de José Antonio Miguez, dois padres e três agentes da Policia Federal vieram da aldeia de Merure para constatarem se realmente o fazendeiro estava preso. Eles também disseram ao delegado regional, Capitão Moacir do Couto, que os índios continuavam irritados e todas as precauções deveriam ser tomadas para evitar um ataque contra o preso e seus parentes.
O Capitão Moacir do Couto disse que aguarda, para este fim de semana a prisão dos outros dois lideres do ataque à aldeia dos índios, o fazendeiro João Marques de Oliveira – conhecido como “João Mineiro” – e o barbeiro Alaor Borges, foragidos desde o dia 16.
A Força Policial que chegou sexta-feira a Merure, aumentando o número de soldados presentes – agora são 70 homens da PM – foi o principal motivo da decisão de José Antonio Miguez em se entregar à Policia, temeroso de ser preso e sofrer condenação maior.
Para hoje a Policia espera prender o fazendeiro Antonio Nonato, candidato a prefeito em General Carneiro, agora acusado de ser um dos organizadores do plano para atacar a aldeia dos bororos, que culminou com a morte de três pessoas – um padre, um branco e um índio – e ferimentos em outros cinco.
A Policia Militar aconselha os fazendeiros que moram perto de Merure e São Marcos a se afastarem por algum tempo, pois acha que já não impedirá os índios de fazer incursões noturnas às suas propriedades, a fim de vingar a morte do índio Simão Cristino. Por isso, mais de 20 famílias já saíram das fazendas, depois que 150 xavantes armados cercaram e prenderam o fazendeiro Noil Borges de Oliveira, entregando-o à Policia”.
“A Força dos Documentos Mostra o Reverso da Medalha”
É essencial e imprescindível à narrativa histórica, o estabelecimento e o rigor da verdade documental. Tal pressuposto cientifico é tão curial que a sabedoria popular transformou em axioma a expressão: contra fatos não há argumentos. E o documento é o testemunho concreto do fato... Com base na amostragem documental, arcabouço e cerne da estrutura da obra histórica, é que deve partir o narrador para as conclusões que se fizeram pertinentes. Não obstante, tais conclusões não podem, nem devem, impor-se por si mesmas senão como decorrência natural do exame documental. A análise histórica é, por assim dizer, filha predileta do documento. Daí a imperiosa necessidade de recolher-se, com isenção e amplitude, todos absolutamente todos, os documentos atinentes ao tema em estudo. Só assim terá aquele que se propôs a elaborar um trabalho de cunho histórico, realizado cabalmente sua tarefa.
O grande mérito do trabalho presente é, sem dúvida alguma, o de ter recolhido o maior número possível de documentos referentes ao tema que apresenta. Se se exime no entanto de uma análise circunstanciada, quer do ponto de vista histórico quer do político, e isto é aliás sua grande lacuna, não obstante há uma razoável fartura documental.
E o que foi, ou o que é, o acontecimento conhecido jornalisticamente como a “Chacina do Meruri”, senão uma imensa sombra permeando a realidade dos fatos. Apenas um ou outro dado do problema foi mostrado nas páginas da imprensa que voltou-se sobre o episódio do entrevero entre padres, índios e fazendeiros. Todavia, uma dicotomia estava criada. De um lado, um enfoque, digamos “nacional”, em que se condena os fazendeiros, erroneamente tidos como posseiros e invasores e conseqüentemente havidos como agressores, e de outro, uma visão local, diametralmente oposta. Daí inclusive o espanto, e até certa indignação, da imprensa quando os fazendeiros implicados no referido episódio foram absolvidos pelo júri popular no julgamento de Barra do Garças.
E onde está a verdade? Ela aflora soberana da concretude documental ora mostrada. E José Mario mostra documentos, e praticamente se exime de narrar em seus próprios termos. Para ele o documento é tudo. É, não obstante, elementar que um fato não existe por si só mas é fruto de um encadeamento natural de acontecimentos e circunstâncias muitas vezes de menor ligação entre si. Assim, há que se buscas causas as mais longínquas. E o autor, vai longe e mostra-nos aspectos por vezes pouco conhecidos do problema quando, por exemplo, transcreve parte do áspero mas insuspeito relatório do ínclito matogrossense Marechal Candido Mariano Rondon enviado, em julho de 1911, ao então Ministro Pedro Toledo, da pasta a Agricultura. Não apenas esse relatório transcreve o autor. Documentos cartorais mostram as diferentes maneiras com que foram adquiridas as terras, hoje reivindicadas para reservas indígenas. José Mario volta igualmente suas baterias contra aquele órgão que considera como “o maior inimigo do índio”: a FUNAI.
Uma das falácias propagadas aos quatro ventos e amplamente divulgada, sobretudo após o resultado do julgamento dos fazendeiros barragarcenses, é a de que a população da região é inimiga dos silvícolas. Porém, os que aqui convivem na faina do trabalho diário ou os que estiverem, em algum momento ligado à região, sabem perfeitamente que o índio sempre foi, raras exceções, aceito pacificamente no convívio. Historicamente não se tem noticias de nenhum choque de conseqüências graves entre os aborígenes e os pioneiros aqui chegados nas levas da busca diamantífera, nos inícios do século, ou mesmo posteriormente, em fins da década de quarenta com a chamada Expedição Roncador-Xingu. Se existiu algum entrevero, e por certo houveram, esteve ele sempre circunscrito a pequeno entrechoques, típicos e até comuns aos contatos entre as civilizações antípodas. A verdade porém, relevada a circunstância apontada, é de que não se pode indicar ter existido aqui, em qualquer época e circunstância, um claro e manifesto desejo de combater, destruir e aniquilar índios ou arrasar e eliminar seus aldeiamentos. Os silvícolas, nas suas características civilizatórias, sempre perambularam pelas fazendas e agrupamentos humanos da região, estabelecendo com a população “branca” um modus vivendi bastante amigável, pacífico mesmo. As exceções desse processo variaram naturalmente, tanto de época e circunstancia quanto variáveis foram os contatos que estabeleciam uma ou outra nação indígena com as frentes de penetração. E se os bororós e Carajás, por exemplo, foram sempre mais acessíveis e permeáveis aos contatos, já os xavantes, temíveis e bravos guerreiros, que só recentemente se aculturaram, foram os que maior resistência opuseram. Mas, patenteadamente, o contato, sem as características do choque físico de graves proporções, foi, e tem sido, a regra geral.
Que houve violências de outra ordem, não desconhecemos, e é até impossível negá-las, já que eles perduram. A imposição da cultura “branca” sobre a indígena, tida como inferior apenas porque não dispunha de aparatos técnicos que pudessem se contrapor materialmente à cultura tida como superior e que he era imposta, foi, e é, sem dúvida alguma, uma forma de violentação. É necessário contudo que se sublinhe que essa imposição cultural deveu-se menos às levas errantes de garimpeiros e primitivos fazendeiros, que desde há décadas haviam iniciado a penetração do meio-oeste, (todos eles sertanejos semi-analfabetos e até a grande maioria, sem nenhum traço cultural), do que a outros fatores. E a esse respeito é interessante ler a transcrição que o autor faz de trechos do artigo de Pedro Rocha Jucá sobre – “A Epopéia de Rondon”, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
A questão indígena no país é seguramente um dos muitos problemas que requerem urgência e seriedade para o seu equacionamento. Todos somos concordes em que os índios devam ser protegidos, e essa proteção inclui com certeza a demarcação e delimitação de suas terras. A criação das reservas é parte dessa política. Todavia, o que se questiona com ênfase nesta região, é a forma e as conseqüências com que ela vem sendo feita. Eis que, o espectro do problema indígena na região não se apresenta de forma idêntica a de algumas outras regiões do país em que há conflitos permanentes e constantes, sempre com violações de territórios indígenas, anteriormente já reconhecidos em leis.
A especificidade do problema indígena em Barra do Garças surge assim em toda a sua força. É que aqui, muitas das reservas foram criadas em áreas não primitivamente indígenas (isto é, no recuo histórico conhecido). Paradoxalmente, ocorre o fato de que a presença indígena nestas áreas tenha sido mais recente que a de fazendeiros ou caboclos. Um exemplo típico é o ocorrido na atual reserva de São Marcos, para onde, no ano de 1966, centenas de xavantes foram transferidos conforme aliás acentua o bispo Dom Pedro Casaldaliga, em sua Pastoral da Amazônia. De outra parte, inúmeros fazendeiros – e não posseiros, como soe pode ser divulgado eram proprietários de terras legalmente adquiridas do Estado de Mato Grosso, e, cumprindo as exigências para a obtenção de linha de crédito do Banco do Brasil, possuíam certidão negativa de inexistência de pretensões indígenas sobre a área, fornecidas pela FUNAI – órgão oficial da “política” indígena no pais.
Assim através dos documentos e dos fatos narrados, José Mario, em pinceladas rápidas mas não superficiais, vai traçando o retrato da situação que tragicamente resultou na chamada “Chacina do Meruri”. O que falta em narração mais circunstanciada ou análise detalhada é suprido pelos documentos amplamente mostrados.
Este trabalho surge, portanto, num momento em que são abertas as comportas da discussão democrática em nosso país, embora mal refeito do tempo em que a crítica, ainda que construtiva e escudada na verdade, era crime perigoso. José Mario traz então à discussão um grave problema que requer urgente solução. Discutamo-lo pois, democraticamente em busca de soluções viáveis e necessárias para que nosso chão, generoso encontro de raças e fértil caldeamento de culturas, não seja novamente manchado pelo sangue de irmãos.
Barra do Garças, Julho de 1980
C.G.C.
Paulo, eu não tive tempo de ler, mas gostei do que vi.
ResponderExcluirUm abraço,
Donato
Paulo,
ResponderExcluirVocê está de parabéns por essa ilustre matéria que está sendo aprensentada em seu site(blog/Goiânia).
Ela tem uma tremenda importância de nos relatar fatos históricos acontecidos em nosso estado que são esquecidos ao longo do tempo, e que é um orgulho para nós goianos.
Um abraço,
Danillo Soares