Paulo Bertran Wirth Chaibud nasceu em Anápolis-GO, em 1948. Foi professor de diversas universidades do Distrito Federal e de Goiás e foi autor de diversos livros sobre História do Brasil Central e Ocidental. Fazia parte de diversas entidades culturais, cientificas e ambientais do país e região. Consagrava seu tempo a pesquisar e escrever sobre a história, às vezes poesias, às vezes no esporte difícil de criar espécies bovinas em extinção como o gado curraleiro em sua velha fazenda do Assombrado.
Pude constatar como ele se sentia feliz no campo de trabalho, quando fiz parte de sua equipe no levantamento da “Cidade de Pedras”. Ele parecia rejuvenescer quando ali estava, adquiria energia!!! O pouco que convivemos juntos foi suficiente para que eu o considere um eterno amigo, onde quer que ele esteja.
Bertran nos deixou prematuramente no final do ano de 2005.
Suas obras sempre serão lembradas aqui em nosso blog.
HISTORIA DE NIQUELANDIA
DO JULGADO DE TRAÍRAS AO LAGO SERRA DA MESA
por Paulo Bertran
“OS INCIDENTES DE 1886”
Uma borrasca política de dimensões grandes, de amplitude estadual e nacional, abateu-se sobre a pequena Vila de São José do Tocantins em fins do século XIX.
Em 1872 Niquelândia era uma pequena vila com pouco mais de 500 casas. No município inteiro de São José viviam 4.624 pessoas, bem menos, portanto, do que as 6.400 registradas por Silva e Souza sessenta anos antes. Ao todo 925 pessoas sabiam ler e escrever, ou seja, 20% da população.
A escravidão extinguia-se. Havia ainda em 1872 cerca de 280 escravos, a maior parte em São José. Representariam uns 6% da população total, algo muito diferente dos 42% de sessenta anos atrás.
Traíras – que fora incorporada ao município de São José em 1863 – ainda tinha alguma importância, conservando 300 casas habitadas e cerca de 1.700 moradores. Desses, apenas 9% eram alfabetizados. Que diferença dos tempos de Cunha Mattos!
Era esse o pequeno feudo do Coronel Joaquim Francisco da Silva, apenas acordado da modorra, nos meses de agosto, pelo buliço da Romaria do Muquém, quando tropeiros do país inteiro vinham ali comerciar, e as famílias a pagar promessas...
O maior produto de exportação continuava a ser o gado, mas, progressivamente, com a expansão da monocultura do café em São Paulo e com a melhoria dos transportes, a agricultura de subsistência começa a apresentar excedentes exportáveis, como o fumo em rolo, rapaduras, farinha, toucinho, doces cristalizados e até mesmo café, cujas vendas realçam um pouco as rendas das humildes famílias de lavradores.
Em fins do século XIX, já era inexpressiva a extração de malacacheta, cujos depósitos se encontravam muito aprofundados. No entanto, garimpava-se ouro ainda em Traíras, e na década de 1870 o francês Alfred D’Arena reabriu os antigos veeiros de Água Quente, com financiamento do famoso Conselheiro Antonio Prado, capitalista de São Paulo.
As comunicações de São José com o resto da província melhoravam. Havia em 1873 uma estrada carroçável para Porto Nacional e até fins do século abria-se outra estrada desse tipo para Formosa e Santa Luzia.
Em 1875 instala-se a adoção do sistema métrico decimal, facilitando a uniformização e a transação dos objetos de comércio. Apesar dessas novidades, as velhas tradições resistiam. Só depois da inauguração do cemitério, em 1885, é que diminuiu o sepultamento nas igrejas e que começa a haver mais cuidado com a manutenção dos regos d’água de serventia pública. A grande mortalidade provocada pela febre tifóide, em 1870, era um alerta para melhor condução da higiene pública. Não obstante, só em 1890 a Câmara de São José aprova o código de posturas municipais, vedando a criação de animais soltos nas ruas. Tudo isto consta da atas da Câmara de São José, que pouco aliás se reunia para discutir os assuntos públicos.
No quadro político, continua chefe incontrastado o Coronel José Joaquim e seu filho Paulo, que se elege sucessivas vezes (a partir de 1870), como presidente da câmara e depois como intendente municipal.
Já em termos nacionais, no final do Segundo Império, sucediam-se os ministérios conservadores e os liberais, composição pela qual Pedro II, periodicamente, reciclava suas bases de sustentação política e procurava manter-se eqüidistante das intrigas, em suas funções de Poder Moderador. Não havia grandes diferenças iniciais entre as ideologias do dois partidos, a não ser mais tarde, quando o partido liberal engalfinhava-se decididamente na campanha abolicionista e aproxima-se mais das idéias republicanas.
Após a Guerra do Paraguai, de 1870 a 1878, os conservadores assumiram o ministério, sob a licença do Visconde do Rio Branco e depois do Duque de Caxias. Dessa época é a Lei do Ventre Livre, um grande avanço, pela época, no rumo da extinção da escravidão. Já de 1875 a 1885 assumem o Ministério os liberais, sob a liderança do Visconde de Sinimbu e depois dos Conselheiros Saraiva, Paranaguá e Souza Dantas. A questão servil pegava fogo, os acordos em alta rotação. Durante esses 8 anos de gabinetes liberais, nada menos do que 10 governadores foram nomeados para a Província de Goiás, alguns deles governando pouco mais de 60 dias. Nessas condições o poder real era exercido pelos vice-presidentes e pelos líderes locais do partido liberal, como os Bulhões, os Caiado e os Fleury. Chocavam-se freqüentemente vezes em razão do preenchimento dos cargos públicos, mas no geral ficavam estes com os correligionários liberais.
Nesse estado caótico de administração, cai, em 1885, o último gabinete liberal e assume o gabinete conservador do Barão de Cotegipe, disposto a encetar uma cruzada de “Renovação conservadora”. Em Goiás isso se traduz numa verdadeira degola dos liberais nos cargos públicos, numa sanha de retorno ao poder e às suas benesses pelos conservadores dele alijados há tempos. Atiçando os conflitos, nada menos do que seis jornais circulavam em Goiás, representando as diversas tendências.
Em Niquelândia, o Cel. José Joaquim continuava um fiel membro do partido liberal, da facção de Bulhões. Há muitos anos entretinha negócios com o chefe do clã, Inácio Soares de Bulhões, grande comerciante da antiga capital de Goiás. Já o partido conservador de São José era inexpressivo, composto de famílias pobres, pequenos agricultores e comerciantes, como os Freitas Machado e os Gonçalves de Almeida, permanentemente alijados do poder, pertencente aos Francisco da Silva, Fernandes de Carvalho, Ribeiro de Freitas, Santiago, Ferreira Martins, Silva Rocha, Zuzarte, Adorno, etc.
À testa do partido conservador de São José figurava o sargento José de Freitas Machado, que fora empreiteiro de obras públicas nos antigos gabinetes conservadores. Agora, com a queda dos liberais e a virada nos cargos públicos, deve ter entendido Freitas abalar o sólido domínio do coronel José Joaquim e das famílias aristocráticas de São José.
Assumindo em Goiás o governo conservador (e marcadas eleições gerais para 13 de dezembro e eleições distritais para 15 de janeiro), os conservadores em curto tempo conseguem demitir, ainda em 1885, o agente de correio liberal, João batista Ribeiro de Freitas (nomeado para o lugar Joaquim Prudêncio de Carvalho), e remover o professor vitalício de Traíras, Emídio Renovato dos Santos para a longínqua Porto Nacional. Num golpe ainda mais profundo, José de Freitas consegue demitir o coronel José Joaquim do honorífico lugar de Inspetor Paroquial de Ensino, substituindo-o pelo padre conservador João Francisco de Azevedo Nascimento.
Os conservadores de São José engajavam-se num jogo muito perigoso! Para garantir a posse dos nomeados e a vitória dos conservadores nas eleições de 13 de dezembro e de 15 de janeiro, José de Freitas consegue deslocar para Niquelândia um pelotão de 15 soldados comandados pelo Tenente José Gonçalves Pacheco, militar de linha.
Deixemos aqui, porém, que Cristóvam D’Ávila, o excelente cronista de Uruaçu, nos relate como se passaram os fatos subseqüentes, conforme os recolheu nas tradições da família Fernandes de Carvalho, de que é um ilustre membro:
“Em Outubro de 1885, já se encontrava na cidade o Tenente Pacheco com sua escolta policial, dando apoio intransigente ao comando político radical conservador, liderado pelo tal José de Freitas, e usava a força com ameaças de toda espécie, para convencer o pequeno eleitorado local a dar apoio decidido nas eleições à Geral aos candidatos governamentais, e sempre diziam que o governo ganharia de qualquer maneira...”
“O truculento Tenente estava à procura de um pretexto para dar uma lição nos liberais, e o coletor liberal Manoel Epiphânio Fernandes de Carvalho não perdia oportunidade, sempre quando atendia, na coletoria, a contribuintes de impostos, principalmente os fazendeiros de prestigio em suas regiões, de pedir votos para os candidatos liberais, ao mesmo tempo em que argumentavam contra qualquer apoio à facção escravagista, comandada por esse que ninguém conhecia chamado de José de Freitas, sem um couro onde pudesse cair morto...”
“A meia dúzia de gatos pingados josefinos que melhoravam a finura da delgada coluna governista e escravocrata de José de Freitas, constituía-se de elementos considerados de baixa classe, na maioria analfabetos que, de uma forma ou de outra, se deixavam levar pelas promessas de bom emprego e polpudos salários públicos, se os candidatos do governo ganhassem em São José sobre os Liberais.”
“Isso era impossível. E as rajadas de ataques sobre eles partiam de quase todos os lares respeitáveis da hoje Niquelândia. Foram propriamente cognominados de CASCUDOS, exatamente por integrados de elementos pouco afeitos à educação.”
“As coisas iam nesse pé, quando o Tenente Comandante, talvez lembrado por José de Freitas, encontrou um meio de humilhar o coletor das Rendas Públicas.”
Eram três horas da tarde de 28 de Outubro de 1885. O Tenente, impecavelmente uniformizado, com ares de arrogância, supondo dono de tudo, assoma repentinamente à porta da Coletoria, que funcionava num dos cômodos da residência do Coletor:
- Boa tarde, senhor Capitão (Manuel Epiphânio, meu avô era Capitão da Guarda Nacional).
- Boa tarde, senhor Tenente, respondeu o coletor.
- Entre e sente. Em que lhe posso servir?
- Capitão Epiphânio – disse o militar – os soldados precisam de dinheiro para alimentação e pousada e, em nome do Governo, exijo que o senhor pague os soldos referentes ao mês vencido!
- O Tenente tem ordens do Secretário de Finanças para que eu possa liberar o pagamento?
- Não, não tenho.
- Então, eu não posso pagar. Só pagarei com ordens da Capital!
- Capitão! Disse o Tenente com ares de ameaça – Eu não estou pedindo, estou exigindo!
- Eu entendi, mas não atendo. Só com ordens, já disse.
- Virei aqui às 18 horas e levarei o dinheiro arrecadado, quer o senhor queira, quer não!
- Pois eu espero!
“E o Tenente levantou-se bruscamente, com os olhos faiscando fogo, olhando para meu avô, com os cantos da boca espumantes de ódio e ao transpor a porta tropeça no dispositivo fixador da porta, em baixo, que quase o levou chão!... Meu avô não conseguiu conter a gargalhada, seguida por mais duas ou três pessoas que ali se encontravam. O tenente solta um palavrão e, mais uma vez, olha para o Coletor e repete a ameaça:
- Deixa estar! ...”. E continua a crônica gostosa de Cristóvam D’Ávila:
“Meu avô, se vendo ameaçado, guardou em casa de amigos todo o dinheiro da Coletoria e avisou, imediatamente, todos os irmãos, cunhados, parentes, amigos e, por questão de minutos, a casa do Capitão ficou repleta de gente. Uns portando espingardas, outros garruchas, alguns espadas, enfim, mais de cinqüenta homens se postaram em frente à residência do Coletor Epiphânio de Carvalho, dispostos a defendê-lo a qualquer preço! Residia ele à rua Direita, a de maior movimento de São José. É lógico que o Coronel José Joaquim, tio de meu avô e chefe supremo da política em São José, lá se encontrava animando a turma, apontando os pontos estratégicos para uns para outros, de acordo, com o que ele dizia: “esse é bom na pontaria!”.
Eram seis horas, em ponto, da tarde: marchando em coluna de dois, de Comblain a tiracolo, sob o comando do atrevido Tenente, os quinze soldados desceram, quase acelerados, a rua, vindos da Praça da Matriz, e surgiram, em ordem, à rua Direita, a uns duzentos metros da residência de meu avô.
Ao serem avistados, tremendo alvoroço se verificou na residência do Capitão. As mulheres gritavam, outras rezavam. E meu avô, ladeado dos filhos, dos irmãos, dos primos e correligionários, todos se colocaram em posição de combate, nas portas e janelas da frente e do oitão, mais ou menos protegidos pelos paredões da casa. Alguns mais afoitos, expuseram o corpo interiro na rua, onde se percebiam mais de vinte homens, dispostos a tudo.
Silêncio absoluto!
A uns cem metros, o Tenente gritou: ‘alto’ aos soldados. Deu uns passos para a frente e examinou atentamente o grupo de homens em atitude de atirar; portas, janelas apinhadas de gente. Por todos os lados se viam pontas de armas dirigidas aos policiais. O tenente permaneceu por alguns segundos imóvel.
Compreendeu, de relance, a carnificina que iria provocar. Adiantou uns dez passos para a frente, demonstrando querer dialogar. Parou por mais alguns segundos. Vacilou. Voltou e ordenou aos praças: “Vamos embora!”
Os amigos do Capitão Manuel Epiphânio de Carvalho ainda permaneceram lá até altas horas da noite e, afinal, concluindo que o Tenente realmente havia desistido do ataque, foram, pouco a pouco, se retirando.”
De fato, a tensão prolongada ia em crescendo. Em 23 de dezembro estava em S. José o chefe liberal Leopoldo de Bulhões, apoiando os correligionários e medindo a pulsação dos acontecimentos.
Mal retornou Bulhões a Goiás-Velho e lhe chegam cartas de São José dando conta de um agravamento da situação. Nessas cartas o Cel. José Joaquim e o Capitão Romão da Silva Rocha pedem que Bulhões interceda junto ao governador Guilherme Cruz de formas a oficiar ao comandante do destacamento de São José, proibindo-o de intervir no pleito de 15 de janeiro.
No dia 9 de janeiro de 1886, o jornal “O Goiás”, da facção liberal, sob a manchete “Estado Anômalo em S. José”, relata esses fatos, pedindo ao governo que ponha cobro aos desmandos do Delegado (José de Freitas?) e do comandante do destacamento, “que assoalham o propósito de espaldeirar o Sr. Romão, balear o Coronel Joaquim, acabar com todos os mesários, destruir a eleição se esta se fizer contra o governo, e matar a torto e a direito”...
Bulhões oferece ele próprio um mensageiro rápido para que o ofício do governador chegue antes das eleições no dia 15. Mas ao que parece nenhuma providencia tomou o governador Guilherme Cruz.
Deixemos mais uma vez o relato dos acontecimentos ao nosso cronista Cristóvam D’Ávila:
“15 de janeiro de 1886. A votação para a escolha dos membros da Assembléia Provincial correu normalmente. Os Cascudos não tiveram dúvidas de que haviam perdido fragosamente. A vitória dos candidatos liberais era certíssima!
A Mesa Apuradora fora instalada. Manuel Epiphânio de Carvalho, Coletor Estadual, fora convidado pela Justiça Eleitoral, para presidir à apuração.
Numa casa desocupada da Praça da Matriz, fora instalada a mesa.
O Presidente designou Antonio Martins Pereira, Benício Taveira e outros auxiliares para comporem a Mesa Apuradora.
O Tenente Pacheco arregimentou os seus comandos a se postarem de prontidão, na rua, em frente à casa em que se verificava a leitura dos votos.
Já quase no fim das apurações a vitória dos Liberais era assegurada por mais de duzentos votos.
Vendo-se irremediavelmente perdido, José de Freitas segredou alguma coisa aos ouvidos do Tenente. Este alertou os soldados, pondo-os de prontidão para ação imediata.
Num movimento rápido, dois cascudos entraram na sala e agarraram as urnas, e meu avô, gritou: “Peguem os ladrões!”, instante em que Antonio Martins, Benício Taveira e João Fernandes de Carvalho, irmão do Presidente da Mesa, atracaram os dois intrusos, arrebatando-lhes as urnas; mas o Tenente ordenara o ataque, mandando que atirassem sem dó nem piedade, dando ele mesmo o exemplo.
Da primeira rajada de tiros Antonio Martins e Benício Taveira foram atingidos. Antonio caiu ali mesmo, ferido. Benicio, embora muito ferido, conseguiu escapar. O tiroteio continuou. João Fernandes bateu a porta de entrada, tramelando-a por dentro. O Tenente ordenava a invasão do cômodo, mas caiu atingido por uma bala na testa, morrendo incontinente. Os soldados se perturbaram desistindo do ataque, para acudir o seu comandante.
Com isso, o Presidente da Mesa, com os demais auxiliares, pegaram as urnas, com todo o papelório, e saíram pelos fundos do prédio, enquanto que outros prestavam socorro a Benício Taveira, carregando-o para sua residência, deixando ali o corpo inanimado de Antonio Martins.
Ao mesmo tempo, o corpo do Tenente era também conduzido para a Delegacia. São José, em peso, se revoltou contra os Cascudos. José Freitas desapareceu, e a Policia manteve-se de prontidão toda a noite.
No dia seguinte, após os exames periciais procedidos nos corpos das vítimas para formação do inquérito policial e definir responsabilidades, o corpo do Tenente fora conduzido para o cemitério local acompanhado apenas pelos soldados e por alguns cascudos, bastante desconfiados.
Logo mais foi a vez do sepultamento do corpo de Antonio Martins Pereira, pessoa que gozava da mais alta sociedade local. O enterro constituiu um dos maiores séqüitos havidos até então. Todos bradavam contra a brutalidade dos policiais e reclamavam imediata ação repressiva do Governo. O sentimento era notado em cada semblante. Os mais chegados ao morto, esposa, filhos, choravam copiosamente!...
Mas os policiais agiram em nome do Governo, diziam. O delegado remeteu, de imediato, comunicação da ocorrência à Capital, dirigida aos órgãos da Segurança Pública e ao Presidente Provincial. Certamente José de Freitas, chefe dos Cascudos, o verdadeiro responsável por tudo, muito propositadamente, fez com que no relatório enviado pelo Delegado ao Governo só apontasse como responsável pelos crimes, sobremodo, a morte do Tenente Pacheco, o Coronel José Joaquim Francisco da Silva, o chefe supremo do Comando Político de São José, respeitado e muito estimado pelas pessoas de brio do antigo local.
Meu pai Afonso, filho de Manuel Epiphânio, este exatamente quem presidia as apurações, guardava, ainda muito viva na lembrança, a triste ocorrência, tantas vezes lhe foi contada pelo pai. Informou-me que o Coronel José Joaquim esteve na iminência de ser preso e conduzido sob escolta para a Capital da Província. E só não fora graças à ação enérgica dos Bulhões e seu primo Francisco Leopoldo, ambos advogados.”
Continua Cristóvam D’Ávila:
“O Governo designou uma Comissão especial para apurar os fatos e Antonio Félix de Bulhões se deslocaram até São José para defender o Coronel.
Os peritos constataram um sinal de bala no largo portal de aroeira da porta da frente, através da qual os policiais fizeram descargas para dentro da sala de apurações. – Viram a possibilidade do projétil, disparado pelo próprio Tenente ou algum de seus comandados haver atingido o referido portal, ricocheteando e atingindo e atingindo o Tenente, bem no meio da testa. O doutor Antonio requereu exumação do cadáver. A bala fora extraída do crânio e aquilo que se esperava aconteceu: o projétil era mesmo de combain, arma privativa da polícia.”
“A alegria foi geral. O Coronel não tinha a menor culpa, isento que ficara de qualquer parcela de responsabilidade. O doutor Félix de Bulhões fora vivamente cumprimentado, em lauto banquete que lhe oferecera o Coronel e a que compareceram os principais líderes políticos da facção Liberal”, conclui a crônica de Cristóvam D’Ávila.
É impressionante neste relato do Dr. Cristóvam D’Ávila como a tradição oral conservou bem os episódios de 1886. O Dr. Cristóvam não teve às mãos os documentos e os jornais da época que consultamos nos arquivos da Cidade de Goiás, e não poderia portanto conhecer outros pequenos detalhes.
Assim, pelo relato dos jornais o prédio onde se realizaram as eleições, em frente à lateral da matriz, era então o prédio da escola São José. O Tenente José Pacheco, quando ouviu a gritaria que se seguiu ao roubo das urnas, postou-se com a espada à mão em frente à porta do prédio, impedindo a saída das pessoas. Nesse momento, segundo depoimento do soldado Eustáquio Arcanjo da Silva, o capitão Antonio Martins desfechou um tiro abaixo do olho direito do Tenente Pacheco, que tombou imediatamente de costas sobre seus soldados. Diante disso o próprio soldado Eustáquio dispara contra o Capitão Martins, que tomba morto dentro da escola. No tiroteio que se seguiu tomba ferido o capitão Benício Taveira, até que se fechasse a porta da escola. Nesse momento os soldados iniciaram uma ação de cercamento da área, surpreendendo a fuga dos mesários pelo quintal. Um tiro ainda foi disparado pelos soldados, sem atingir o alvo, contra Romão da Silva Rocha.
Talvez o depoimento do soldado Eustáquio fosse “arranjado”, de forma a inculpar a morte do tenente a um outro morto, o Capitão Antonio Martins, salvando-se portanto os vivos de maiores complicações. E talvez não.
A respeito de quem matou o tenente são muitas as versões que circulam em Niquelândia. Para uns foi este assassinado por um soldado de sua própria escolta. Já para Cristóvam D’Ávila, como vimos acima, por uma bala dos soldados que resvalou no portal da casa. Nunca talvez saibamos ao certo o que se passou a 15 de janeiro, há cem anos atrás.
Fato é que o episódio de São José logo chegou ao Parlamento Nacional, municiando a artilharia Liberal contra o novo gabinete conservador. Arrebatado pela emoção, o líder liberal José Bonifácio de Andrada, o moço finalizou um violento discurso contra o gabinete Cotegipe, bradando: “São José do Tocantins merece um poema!”
E o fato é que, conforme notícia publicada em “O Goiás”, em agosto de 1886, já recuperado, o Capitão Benício José Taveira parte em ato de graças para a romaria de Muquém, vestindo a mesma casaca furada a bala que envergava no dia em que foi ferido”...
O autor do roubo das urnas, Serapião Gonçalves de Almeida, abandonou São José para sempre, indo montar fazenda próxima à novel cidade de Dois Irmãos, antigamente no município de Pirenópolis. Meu avô Jacques Wirth, que lhe comprou parte da fazenda de Dois Irmãos – a qual pertenceu à família do autor por muitos anos – considerava Serapião o homem mais honesto que conhecera em Goiás.
Anos depois de escrever este livro, travamos na Cidade de Goiás amizade com as senhoras Lindaura e Edla Pacheco. Dona Lindaura nos auxiliava na montagem do Arquivo Histórico Municipal de Goiás e nos contou a história de que o crânio do tenente Pacheco, enviado para sua mãe inconformada, ficava guardado debaixo da cama da pobre mãe e toda uma geração de crianças da família brincou com ele e educou-se na indignação do crime. D. Edla Pacheco escreveu o livro “Zaca” em homenagem ao tenente, dando a versão heróica da família...
Note-se: um século havia se passado desde os fatos.
Sou trineta de Benício Taveira, pai de meu bisaô Elyseu José Taveira e avô de Francisco Taveira, pai de minha mãe. Gostaria de publicar este texto em meu blog de biografias goianas, onde incluo biografias de parentes e pessoas conhecidas. O interesse é ser útil, já que gosto de historia e pesquiso. Parabéns pelo blog. Grata, Maria Dulce (Taveira) Loyola Teixeira
ResponderExcluirMaria,
ResponderExcluirsinta-se à vontade em utilizar o artigo.
Ainda tenho outros que pretendo publicar.
Obrigado pelos elogios e obrigado também por navegar por nossas páginas.
Como faço para conseguir uma copia desse livro, sabe de algum lugar onde vende
ResponderExcluirEu tenho livro. Meu email gilsonfs@hotmail.com
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