segunda-feira, julho 10, 2006

DRAMAS DO OESTE (História de uma excursão nas regiões da Ilha do Bananal, em 1950) Por Leolídio Caiado Este foi um dos livros que consegui através de minhas peregrinações aos sebos (lojas que vendem livros usados) de Goiânia. Ele está autografado pelo autor “ao inteligente e jovem Dr. João Gomes, com um abraço de Leolidio Caiado – 23.Nov.87”. Eu, particularmente, acho uma falta de respeito vender um livro cujo o autor lhe fez uma dedicatória (vai ver o cara tava precisando de grana!). Deixando esses detalhes de lado, vamos ao que interessa: O FIM DOS BICHOS, DOS RIOS E DO VERDE (orelha do livro) Ninguém mais desconhece que a poluição dos rios e da destruição irresponsável e vandálica das matas está a ameaçar o equilíbrio ecológico do mundo em que vivemos. Os crimes contra a natureza são bestiais, e só não revoltam àqueles que se beneficiam dessas campanhas criminosas que, em nome do progresso, são cotidianamente encetadas. Leolídio Caiado, escritor, conseguiu associar seu nome à defesa da fauna e da flora no Vale do Araguaia, sabedor de que o homem está criminosamente devastando as suas próprias condições de sobrevivência sobre a Terra. E este seu livro é um libelo de pungente dramaticidade, se formos considerar que as descrições de matança indiscriminada não são fruto da fantasia, mas espantosa e cruel realidade cotidiana. É preciso sim, ter coragem para denunciar esses crimes e atrocidades contra a natureza. Na agitação das grandes urbes, o homem freqüentemente se torna um cliente habitual de clínicas psiquiátricas, e acaba por substituir uma boa pescaria pela palestra com algum psicanalista do momento. E a rede, armada sob árvores seculares e amigas, fica sendo o pomposo dia psiquiátrico, onde se descarrega a carga de traumas e achaques advindos, no mais das vezes, da falta de contatos com a natureza. Por isso livros e homens como esses não são inúteis. Estão sempre a bradar – enfrentando a zombaria e o olhar de galhofa de seus apressados e neuróticos contemporâneos – contra essas calamidades que o progresso engendra e o homem, fera insaciável, alimenta. Homem conhecedor dos dramas do oeste e dos mistérios do sertão, Leolídio Caiado volta-se contra a passividade indiferente dos homens que, nos gabinetes, traçam diagramas sobre como preservar o equilíbrio ecológico, sem atentar para a ganância desenfreada das empresas que se beneficiam do extermínio em massa das espécies animais e vegetais. Já dissemos e voltamos a dizer que esse livro pretende ser um libelo contra a desumanidade irracional com que o homem prepara a própria destruição e isso porque não partiu de um homem que só conhece as asperezas do bravio oeste nos livros ou por ouvir dizer. Talvez esteja nisso – na paixão com que Leolídio atira-se quase quixotescamente na defesa das nossas reservas naturais – a validade maior deste livro, escrito com o ardor ferido dos que amam a natureza e a vêem dizimada pela ambição insensibilizada e descomedida dos homens. Escrevendo com amor e raiva, este último dos moicanos talvez não tenha conseguido romper o gelo dos acumpliciados e dos indiferentes. Mas, seguramente. Deu o seu testemunho, eximando-se da grande culpa que já se aproxima dos administradores de gabinete. Ninguém que ame a natureza lerá com indiferença este livro. E estes protestarão Brasigóis Felício

Caçadores com suas presas às margens do Araguaia. Hoje em dia a cena já não se repete com tanta frequencia - a caça é rara e as leis de proteção aos animais não permitem tais atrocidades. CAPÍTULO XXV Há, ainda em Goiás, alguns indivíduos de uma tribo que eram até pouco tempo, tão ferozes que qualquer civilizado evitava aproximar-se de suas terras. Foram morrendo aos poucos, mas não sujeitaram ao cativeiro dos brancos. Internaram-se numa inacessível região, a fim de evitar qualquer contato com o mundo civilizado Morreram indomáveis e os brancos, jamais, conseguiram ludibria-los. O aspecto desses índios é diferente dos demais: apresentam tipo acaboclado, possuindo, às vezes, vasta barba. Em outras épocas, constituíram uma das nações maiores do Oeste. Constantemente, lutavam contras outras tribos e suas terras nunca foram invadidas e ainda hoje, os javaés têm medo da região onde eles habitam. E embora ainda existam alguns, permanecem entre os demais índios, as lendas desses bravios e invencíveis Canoeiros! Certa vez, contou-me um velho sertanejo, que durante a fundação de povoados que ficavam algumas dezenas de quilômetros próximos à região dos Canoeiros, o seu avô e outros amigos faziam expedições com o fim de atacar os indomáveis nativos. Assim procediam, a fim de defender sua propriedades, plantações e criações, que eram incendiadas, devastadas e o gado morto à flecha. Certa feita, atacaram uma aldeia, de surpresa, e a confusão foi horrível. Dezenas de silvícolas foram massacrados e o restante fugiu para outras aldeias ou se homiziou nos recônditos florestais. Dentro da aldeia, num rancho de palha, deitado numa rede traçada da seda de embira de palmeira buriti encontraram um ancião que não conseguiu escapar, pis suas pernas trôpegas não lhe permitiam fugir e também devido à velhice, já não ouvia mais. Um rapaz que falava o mesmo dialeto e conhecia os costumes dos Canoeiros, fez o velho compreender que desejavam saber quantos índios existiam naquela aldeia. O velho, não podendo falar, tendo a voz arrastada, apanhou um punhado de areia e despejou-o no chão, mostrando a quantidade. Isto feito, o jovem retirou da cinta vasto punhal e friamente trespassou o corpo do indefeso ancião. Durante o ataque covarde dessas expedições, eram mortas as crianças, mulheres e os que não conseguiam fugir, sendo abatidos, também os animais e pássaros domésticos. Uma vez, contou-nos o velho, a cachorrada estava barroando, perto do pomar, junto à sede da fazenda de seu avô, no pé de uma velha gameleira de vasta galharia. A noite estava escura e um dos empregados apanhou a lamparina. No momento em que se aproximavam do local onde os cachorros acuavam, o condutor da lamparina tombou mortalmente ferido, varado por uma flecha. Enquanto voltavam para apanhar o rifle, o índio saltou em terra e tentou fuga, mas os cães já adestrados na caçada desses animais (assim se referia o velho), estraçalhou o índio. Eram constantes os assassinatos entre nativos e civilizados. Os índios espreitavam as habitações, matando tudo que encontravam e roubando crianças. Os cristãos se reuniam e munidos com armas de fogo davam caça aos índios como se fossem animais silvestres. Naturalmente os nativos não suportariam por muito tempo essas lutas desiguais de bordunas e flechas contra rifles e bacamartes. Eis, pois, o motivo porque iam sempre se aprofundando nas mais impenetráveis e distantes regiões, evitando o mais possível, contato com aqueles semelhantes, estrangeiros que traziam o corpo resguardado nas vestes e tinham a pele de cor diferente. Nunca esqueceram das perversidades que os brancos cometeram entre eles. E por isso, vamos encontrar o Canoeiro numa terra difícil de se penetrar, cheia de penhascos e desfiladeiros, serras cobertas de densas florestas em terras de difícil acesso. Os Canoeiros, como todos os índios agressivos, não se limitam a ficar em suas áreas, nas proximidades das aldeias, e andam dias, empreendendo viagens a grandes distâncias. Principalmente no verão, época em que efetuam suas façanhas contra os brancos e em certas regiões do Javaé, na margem direita, constituem sério perigo. Os mais visados são os pescadores profissionais e os caçadores de jacarés, que sobem os rios e afluentes menores, em busca do pirarucu e vão nos mais distantes lagos e lagoas à caça do jacaré, e são, não raramente, alvejados por traiçoeiras flechas. Um dos lugares mais terríveis foi a região do rio Tori-Béroô, afluente do Javaé, que era muito freqüentado pelos Canoeiros. Naqueles dias em que por lá passamos, um pescador havia sido flechado e o seu estado requeria certo cuidado:. A sagacidade e a traição do índio é tanta, que o jovem foi ferido, como os demais companheiros que estavam na mesma embarcação, não ouviram o barulho, nem viram índio algum: somente a seta enterrada no peito do pescador, aquela flecha que através de séculos ainda reclamava vingança. Revidaram o ataque com uma série de tiros que deve ter causado grande confusão entre os selvagens e desabaladas carreiras por entre o matagal. De modo geral, todos os índios são traiçoeiros e só atacam tendo certeza absoluta de que levarão vantagem. Por mais agressivos que sejam, têm pavor a arma de fogo e é bastante dar um tiro em sua direção para que corram, às vezes, o dia todo. Muitas vezes, o cristão numa região de índios agressivos, é espreitado por espaço de longo tempo até que chegue o momento mais oportuno para ser liquidado, após uma emboscada com segurança. O civilizado que se aventura nas terras desses índios, sem motivo relevante, é sempre um imprudente, porque sabe que a qualquer momento poderá ser atacado e com pouca chance de se safar com vida ou será obrigado a se defender, matando o agressor, cena que poderá ser evitada. Faz quase trinta anos que atravessamos, em serviço de explorações para a “Conclusão da Carta Geográfica de Mato Grosso”, parte de uma região habitada pelos xavantes e passamos na área dos caiapós e de outras tribos que ainda não eram conhecidas. Éramos trinta homens e todos bem armados e constantemente alvejávamos as caças que infestavam a região e com isso, os nativos se conservavam arredios. Porém, o momento do descanso, almoço ou pernoite, não era raro sermos despertados pelos clarões das fogueiras ateadas na floresta em forma de círculo, com objetivo de nos cercarem com as labaredas. Fugíamos, sempre que possível, dentro das embarcações, pelo canal do rio. Eram constantes as batidas feitas por eles nas proximidades dos acampamentos e conforme nos diziam os Carajás e sertanejos práticos, nós éramos visados e espreitados dia e noite, mas sendo um número grande e bem armado, eles jamais tentaram nos atacar com suas armas primitivas. Certo dia, numa manhã, quando caçávamos, tivemos oportunidade de ver vários destes nativos na beira de vasta campina, já para alcançar o mato à margem de um lago, em desenfreada e espetacular carreira, tal qual animais silvestres, nas proximidades de um rio que por um lapso chamamos de “Arroio das Arraias” e que era, de fato, o Tapirapés.

sexta-feira, abril 21, 2006


SAUDADES DO PROF. BERTRAN
Paulo Bertran Wirth Chaibud nasceu em Anápolis-GO, em 1948. Foi professor de diversas universidades do Distrito Federal e de Goiás e foi autor de diversos livros sobre História do Brasil Central e Ocidental. Fazia parte de diversas entidades culturais, cientificas e ambientais do país e região. Consagrava seu tempo a pesquisar e escrever sobre a história, às vezes poesias, às vezes no esporte difícil de criar espécies bovinas em extinção como o gado curraleiro em sua velha fazenda do Assombrado.
Pude constatar como ele se sentia feliz no campo de trabalho, quando fiz parte de sua equipe no levantamento da “Cidade de Pedras”. Ele parecia rejuvenescer quando ali estava, adquiria energia!!! O pouco que convivemos juntos foi suficiente para que eu o considere um eterno amigo, onde quer que ele esteja.
Bertran nos deixou prematuramente no final do ano de 2005.
Suas obras sempre serão lembradas aqui em nosso blog.


HISTORIA DE NIQUELANDIA
DO JULGADO DE TRAÍRAS AO LAGO SERRA DA MESA

por Paulo Bertran


“OS INCIDENTES DE 1886”

Uma borrasca política de dimensões grandes, de amplitude estadual e nacional, abateu-se sobre a pequena Vila de São José do Tocantins em fins do século XIX.

Em 1872 Niquelândia era uma pequena vila com pouco mais de 500 casas. No município inteiro de São José viviam 4.624 pessoas, bem menos, portanto, do que as 6.400 registradas por Silva e Souza sessenta anos antes. Ao todo 925 pessoas sabiam ler e escrever, ou seja, 20% da população.

A escravidão extinguia-se. Havia ainda em 1872 cerca de 280 escravos, a maior parte em São José. Representariam uns 6% da população total, algo muito diferente dos 42% de sessenta anos atrás.

Traíras – que fora incorporada ao município de São José em 1863 – ainda tinha alguma importância, conservando 300 casas habitadas e cerca de 1.700 moradores. Desses, apenas 9% eram alfabetizados. Que diferença dos tempos de Cunha Mattos!

Era esse o pequeno feudo do Coronel Joaquim Francisco da Silva, apenas acordado da modorra, nos meses de agosto, pelo buliço da Romaria do Muquém, quando tropeiros do país inteiro vinham ali comerciar, e as famílias a pagar promessas...

O maior produto de exportação continuava a ser o gado, mas, progressivamente, com a expansão da monocultura do café em São Paulo e com a melhoria dos transportes, a agricultura de subsistência começa a apresentar excedentes exportáveis, como o fumo em rolo, rapaduras, farinha, toucinho, doces cristalizados e até mesmo café, cujas vendas realçam um pouco as rendas das humildes famílias de lavradores.

Em fins do século XIX, já era inexpressiva a extração de malacacheta, cujos depósitos se encontravam muito aprofundados. No entanto, garimpava-se ouro ainda em Traíras, e na década de 1870 o francês Alfred D’Arena reabriu os antigos veeiros de Água Quente, com financiamento do famoso Conselheiro Antonio Prado, capitalista de São Paulo.

As comunicações de São José com o resto da província melhoravam. Havia em 1873 uma estrada carroçável para Porto Nacional e até fins do século abria-se outra estrada desse tipo para Formosa e Santa Luzia.

Em 1875 instala-se a adoção do sistema métrico decimal, facilitando a uniformização e a transação dos objetos de comércio. Apesar dessas novidades, as velhas tradições resistiam. Só depois da inauguração do cemitério, em 1885, é que diminuiu o sepultamento nas igrejas e que começa a haver mais cuidado com a manutenção dos regos d’água de serventia pública. A grande mortalidade provocada pela febre tifóide, em 1870, era um alerta para melhor condução da higiene pública. Não obstante, só em 1890 a Câmara de São José aprova o código de posturas municipais, vedando a criação de animais soltos nas ruas. Tudo isto consta da atas da Câmara de São José, que pouco aliás se reunia para discutir os assuntos públicos.

No quadro político, continua chefe incontrastado o Coronel José Joaquim e seu filho Paulo, que se elege sucessivas vezes (a partir de 1870), como presidente da câmara e depois como intendente municipal.

Já em termos nacionais, no final do Segundo Império, sucediam-se os ministérios conservadores e os liberais, composição pela qual Pedro II, periodicamente, reciclava suas bases de sustentação política e procurava manter-se eqüidistante das intrigas, em suas funções de Poder Moderador. Não havia grandes diferenças iniciais entre as ideologias do dois partidos, a não ser mais tarde, quando o partido liberal engalfinhava-se decididamente na campanha abolicionista e aproxima-se mais das idéias republicanas.

Após a Guerra do Paraguai, de 1870 a 1878, os conservadores assumiram o ministério, sob a licença do Visconde do Rio Branco e depois do Duque de Caxias. Dessa época é a Lei do Ventre Livre, um grande avanço, pela época, no rumo da extinção da escravidão. Já de 1875 a 1885 assumem o Ministério os liberais, sob a liderança do Visconde de Sinimbu e depois dos Conselheiros Saraiva, Paranaguá e Souza Dantas. A questão servil pegava fogo, os acordos em alta rotação. Durante esses 8 anos de gabinetes liberais, nada menos do que 10 governadores foram nomeados para a Província de Goiás, alguns deles governando pouco mais de 60 dias. Nessas condições o poder real era exercido pelos vice-presidentes e pelos líderes locais do partido liberal, como os Bulhões, os Caiado e os Fleury. Chocavam-se freqüentemente vezes em razão do preenchimento dos cargos públicos, mas no geral ficavam estes com os correligionários liberais.

Nesse estado caótico de administração, cai, em 1885, o último gabinete liberal e assume o gabinete conservador do Barão de Cotegipe, disposto a encetar uma cruzada de “Renovação conservadora”. Em Goiás isso se traduz numa verdadeira degola dos liberais nos cargos públicos, numa sanha de retorno ao poder e às suas benesses pelos conservadores dele alijados há tempos. Atiçando os conflitos, nada menos do que seis jornais circulavam em Goiás, representando as diversas tendências.



Em Niquelândia, o Cel. José Joaquim continuava um fiel membro do partido liberal, da facção de Bulhões. Há muitos anos entretinha negócios com o chefe do clã, Inácio Soares de Bulhões, grande comerciante da antiga capital de Goiás. Já o partido conservador de São José era inexpressivo, composto de famílias pobres, pequenos agricultores e comerciantes, como os Freitas Machado e os Gonçalves de Almeida, permanentemente alijados do poder, pertencente aos Francisco da Silva, Fernandes de Carvalho, Ribeiro de Freitas, Santiago, Ferreira Martins, Silva Rocha, Zuzarte, Adorno, etc.

À testa do partido conservador de São José figurava o sargento José de Freitas Machado, que fora empreiteiro de obras públicas nos antigos gabinetes conservadores. Agora, com a queda dos liberais e a virada nos cargos públicos, deve ter entendido Freitas abalar o sólido domínio do coronel José Joaquim e das famílias aristocráticas de São José.

Assumindo em Goiás o governo conservador (e marcadas eleições gerais para 13 de dezembro e eleições distritais para 15 de janeiro), os conservadores em curto tempo conseguem demitir, ainda em 1885, o agente de correio liberal, João batista Ribeiro de Freitas (nomeado para o lugar Joaquim Prudêncio de Carvalho), e remover o professor vitalício de Traíras, Emídio Renovato dos Santos para a longínqua Porto Nacional. Num golpe ainda mais profundo, José de Freitas consegue demitir o coronel José Joaquim do honorífico lugar de Inspetor Paroquial de Ensino, substituindo-o pelo padre conservador João Francisco de Azevedo Nascimento.

Os conservadores de São José engajavam-se num jogo muito perigoso! Para garantir a posse dos nomeados e a vitória dos conservadores nas eleições de 13 de dezembro e de 15 de janeiro, José de Freitas consegue deslocar para Niquelândia um pelotão de 15 soldados comandados pelo Tenente José Gonçalves Pacheco, militar de linha.

Deixemos aqui, porém, que Cristóvam D’Ávila, o excelente cronista de Uruaçu, nos relate como se passaram os fatos subseqüentes, conforme os recolheu nas tradições da família Fernandes de Carvalho, de que é um ilustre membro:

“Em Outubro de 1885, já se encontrava na cidade o Tenente Pacheco com sua escolta policial, dando apoio intransigente ao comando político radical conservador, liderado pelo tal José de Freitas, e usava a força com ameaças de toda espécie, para convencer o pequeno eleitorado local a dar apoio decidido nas eleições à Geral aos candidatos governamentais, e sempre diziam que o governo ganharia de qualquer maneira...”

“O truculento Tenente estava à procura de um pretexto para dar uma lição nos liberais, e o coletor liberal Manoel Epiphânio Fernandes de Carvalho não perdia oportunidade, sempre quando atendia, na coletoria, a contribuintes de impostos, principalmente os fazendeiros de prestigio em suas regiões, de pedir votos para os candidatos liberais, ao mesmo tempo em que argumentavam contra qualquer apoio à facção escravagista, comandada por esse que ninguém conhecia chamado de José de Freitas, sem um couro onde pudesse cair morto...”

“A meia dúzia de gatos pingados josefinos que melhoravam a finura da delgada coluna governista e escravocrata de José de Freitas, constituía-se de elementos considerados de baixa classe, na maioria analfabetos que, de uma forma ou de outra, se deixavam levar pelas promessas de bom emprego e polpudos salários públicos, se os candidatos do governo ganhassem em São José sobre os Liberais.”


“Isso era impossível. E as rajadas de ataques sobre eles partiam de quase todos os lares respeitáveis da hoje Niquelândia. Foram propriamente cognominados de CASCUDOS, exatamente por integrados de elementos pouco afeitos à educação.”

“As coisas iam nesse pé, quando o Tenente Comandante, talvez lembrado por José de Freitas, encontrou um meio de humilhar o coletor das Rendas Públicas.”

Eram três horas da tarde de 28 de Outubro de 1885. O Tenente, impecavelmente uniformizado, com ares de arrogância, supondo dono de tudo, assoma repentinamente à porta da Coletoria, que funcionava num dos cômodos da residência do Coletor:

- Boa tarde, senhor Capitão (Manuel Epiphânio, meu avô era Capitão da Guarda Nacional).

- Boa tarde, senhor Tenente, respondeu o coletor.
- Entre e sente. Em que lhe posso servir?
- Capitão Epiphânio – disse o militar – os soldados precisam de dinheiro para alimentação e pousada e, em nome do Governo, exijo que o senhor pague os soldos referentes ao mês vencido!
- O Tenente tem ordens do Secretário de Finanças para que eu possa liberar o pagamento?
- Não, não tenho.
- Então, eu não posso pagar. Só pagarei com ordens da Capital!
- Capitão! Disse o Tenente com ares de ameaça – Eu não estou pedindo, estou exigindo!
- Eu entendi, mas não atendo. Só com ordens, já disse.
- Virei aqui às 18 horas e levarei o dinheiro arrecadado, quer o senhor queira, quer não!
- Pois eu espero!

“E o Tenente levantou-se bruscamente, com os olhos faiscando fogo, olhando para meu avô, com os cantos da boca espumantes de ódio e ao transpor a porta tropeça no dispositivo fixador da porta, em baixo, que quase o levou chão!... Meu avô não conseguiu conter a gargalhada, seguida por mais duas ou três pessoas que ali se encontravam. O tenente solta um palavrão e, mais uma vez, olha para o Coletor e repete a ameaça:

- Deixa estar! ...”. E continua a crônica gostosa de Cristóvam D’Ávila:

“Meu avô, se vendo ameaçado, guardou em casa de amigos todo o dinheiro da Coletoria e avisou, imediatamente, todos os irmãos, cunhados, parentes, amigos e, por questão de minutos, a casa do Capitão ficou repleta de gente. Uns portando espingardas, outros garruchas, alguns espadas, enfim, mais de cinqüenta homens se postaram em frente à residência do Coletor Epiphânio de Carvalho, dispostos a defendê-lo a qualquer preço! Residia ele à rua Direita, a de maior movimento de São José. É lógico que o Coronel José Joaquim, tio de meu avô e chefe supremo da política em São José, lá se encontrava animando a turma, apontando os pontos estratégicos para uns para outros, de acordo, com o que ele dizia: “esse é bom na pontaria!”.

Eram seis horas, em ponto, da tarde: marchando em coluna de dois, de Comblain a tiracolo, sob o comando do atrevido Tenente, os quinze soldados desceram, quase acelerados, a rua, vindos da Praça da Matriz, e surgiram, em ordem, à rua Direita, a uns duzentos metros da residência de meu avô.

Ao serem avistados, tremendo alvoroço se verificou na residência do Capitão. As mulheres gritavam, outras rezavam. E meu avô, ladeado dos filhos, dos irmãos, dos primos e correligionários, todos se colocaram em posição de combate, nas portas e janelas da frente e do oitão, mais ou menos protegidos pelos paredões da casa. Alguns mais afoitos, expuseram o corpo interiro na rua, onde se percebiam mais de vinte homens, dispostos a tudo.

Silêncio absoluto!

A uns cem metros, o Tenente gritou: ‘alto’ aos soldados. Deu uns passos para a frente e examinou atentamente o grupo de homens em atitude de atirar; portas, janelas apinhadas de gente. Por todos os lados se viam pontas de armas dirigidas aos policiais. O tenente permaneceu por alguns segundos imóvel.


Compreendeu, de relance, a carnificina que iria provocar. Adiantou uns dez passos para a frente, demonstrando querer dialogar. Parou por mais alguns segundos. Vacilou. Voltou e ordenou aos praças: “Vamos embora!”

Os amigos do Capitão Manuel Epiphânio de Carvalho ainda permaneceram lá até altas horas da noite e, afinal, concluindo que o Tenente realmente havia desistido do ataque, foram, pouco a pouco, se retirando.”

De fato, a tensão prolongada ia em crescendo. Em 23 de dezembro estava em S. José o chefe liberal Leopoldo de Bulhões, apoiando os correligionários e medindo a pulsação dos acontecimentos.

Mal retornou Bulhões a Goiás-Velho e lhe chegam cartas de São José dando conta de um agravamento da situação. Nessas cartas o Cel. José Joaquim e o Capitão Romão da Silva Rocha pedem que Bulhões interceda junto ao governador Guilherme Cruz de formas a oficiar ao comandante do destacamento de São José, proibindo-o de intervir no pleito de 15 de janeiro.

No dia 9 de janeiro de 1886, o jornal “O Goiás”, da facção liberal, sob a manchete “Estado Anômalo em S. José”, relata esses fatos, pedindo ao governo que ponha cobro aos desmandos do Delegado (José de Freitas?) e do comandante do destacamento, “que assoalham o propósito de espaldeirar o Sr. Romão, balear o Coronel Joaquim, acabar com todos os mesários, destruir a eleição se esta se fizer contra o governo, e matar a torto e a direito”...

Bulhões oferece ele próprio um mensageiro rápido para que o ofício do governador chegue antes das eleições no dia 15. Mas ao que parece nenhuma providencia tomou o governador Guilherme Cruz.

Deixemos mais uma vez o relato dos acontecimentos ao nosso cronista Cristóvam D’Ávila:

“15 de janeiro de 1886. A votação para a escolha dos membros da Assembléia Provincial correu normalmente. Os Cascudos não tiveram dúvidas de que haviam perdido fragosamente. A vitória dos candidatos liberais era certíssima!

A Mesa Apuradora fora instalada. Manuel Epiphânio de Carvalho, Coletor Estadual, fora convidado pela Justiça Eleitoral, para presidir à apuração.

Numa casa desocupada da Praça da Matriz, fora instalada a mesa.

O Presidente designou Antonio Martins Pereira, Benício Taveira e outros auxiliares para comporem a Mesa Apuradora.

O Tenente Pacheco arregimentou os seus comandos a se postarem de prontidão, na rua, em frente à casa em que se verificava a leitura dos votos.

Já quase no fim das apurações a vitória dos Liberais era assegurada por mais de duzentos votos.

Vendo-se irremediavelmente perdido, José de Freitas segredou alguma coisa aos ouvidos do Tenente. Este alertou os soldados, pondo-os de prontidão para ação imediata.

Num movimento rápido, dois cascudos entraram na sala e agarraram as urnas, e meu avô, gritou: “Peguem os ladrões!”, instante em que Antonio Martins, Benício Taveira e João Fernandes de Carvalho, irmão do Presidente da Mesa, atracaram os dois intrusos, arrebatando-lhes as urnas; mas o Tenente ordenara o ataque, mandando que atirassem sem dó nem piedade, dando ele mesmo o exemplo.

Da primeira rajada de tiros Antonio Martins e Benício Taveira foram atingidos. Antonio caiu ali mesmo, ferido. Benicio, embora muito ferido, conseguiu escapar. O tiroteio continuou. João Fernandes bateu a porta de entrada, tramelando-a por dentro. O Tenente ordenava a invasão do cômodo, mas caiu atingido por uma bala na testa, morrendo incontinente. Os soldados se perturbaram desistindo do ataque, para acudir o seu comandante.

Com isso, o Presidente da Mesa, com os demais auxiliares, pegaram as urnas, com todo o papelório, e saíram pelos fundos do prédio, enquanto que outros prestavam socorro a Benício Taveira, carregando-o para sua residência, deixando ali o corpo inanimado de Antonio Martins.

Ao mesmo tempo, o corpo do Tenente era também conduzido para a Delegacia. São José, em peso, se revoltou contra os Cascudos. José Freitas desapareceu, e a Policia manteve-se de prontidão toda a noite.

No dia seguinte, após os exames periciais procedidos nos corpos das vítimas para formação do inquérito policial e definir responsabilidades, o corpo do Tenente fora conduzido para o cemitério local acompanhado apenas pelos soldados e por alguns cascudos, bastante desconfiados.

Logo mais foi a vez do sepultamento do corpo de Antonio Martins Pereira, pessoa que gozava da mais alta sociedade local. O enterro constituiu um dos maiores séqüitos havidos até então. Todos bradavam contra a brutalidade dos policiais e reclamavam imediata ação repressiva do Governo. O sentimento era notado em cada semblante. Os mais chegados ao morto, esposa, filhos, choravam copiosamente!...

Mas os policiais agiram em nome do Governo, diziam. O delegado remeteu, de imediato, comunicação da ocorrência à Capital, dirigida aos órgãos da Segurança Pública e ao Presidente Provincial. Certamente José de Freitas, chefe dos Cascudos, o verdadeiro responsável por tudo, muito propositadamente, fez com que no relatório enviado pelo Delegado ao Governo só apontasse como responsável pelos crimes, sobremodo, a morte do Tenente Pacheco, o Coronel José Joaquim Francisco da Silva, o chefe supremo do Comando Político de São José, respeitado e muito estimado pelas pessoas de brio do antigo local.

Meu pai Afonso, filho de Manuel Epiphânio, este exatamente quem presidia as apurações, guardava, ainda muito viva na lembrança, a triste ocorrência, tantas vezes lhe foi contada pelo pai. Informou-me que o Coronel José Joaquim esteve na iminência de ser preso e conduzido sob escolta para a Capital da Província. E só não fora graças à ação enérgica dos Bulhões e seu primo Francisco Leopoldo, ambos advogados.”




Continua Cristóvam D’Ávila:

“O Governo designou uma Comissão especial para apurar os fatos e Antonio Félix de Bulhões se deslocaram até São José para defender o Coronel.

Os peritos constataram um sinal de bala no largo portal de aroeira da porta da frente, através da qual os policiais fizeram descargas para dentro da sala de apurações. – Viram a possibilidade do projétil, disparado pelo próprio Tenente ou algum de seus comandados haver atingido o referido portal, ricocheteando e atingindo e atingindo o Tenente, bem no meio da testa. O doutor Antonio requereu exumação do cadáver. A bala fora extraída do crânio e aquilo que se esperava aconteceu: o projétil era mesmo de combain, arma privativa da polícia.”

“A alegria foi geral. O Coronel não tinha a menor culpa, isento que ficara de qualquer parcela de responsabilidade. O doutor Félix de Bulhões fora vivamente cumprimentado, em lauto banquete que lhe oferecera o Coronel e a que compareceram os principais líderes políticos da facção Liberal”, conclui a crônica de Cristóvam D’Ávila.

É impressionante neste relato do Dr. Cristóvam D’Ávila como a tradição oral conservou bem os episódios de 1886. O Dr. Cristóvam não teve às mãos os documentos e os jornais da época que consultamos nos arquivos da Cidade de Goiás, e não poderia portanto conhecer outros pequenos detalhes.

Assim, pelo relato dos jornais o prédio onde se realizaram as eleições, em frente à lateral da matriz, era então o prédio da escola São José. O Tenente José Pacheco, quando ouviu a gritaria que se seguiu ao roubo das urnas, postou-se com a espada à mão em frente à porta do prédio, impedindo a saída das pessoas. Nesse momento, segundo depoimento do soldado Eustáquio Arcanjo da Silva, o capitão Antonio Martins desfechou um tiro abaixo do olho direito do Tenente Pacheco, que tombou imediatamente de costas sobre seus soldados. Diante disso o próprio soldado Eustáquio dispara contra o Capitão Martins, que tomba morto dentro da escola. No tiroteio que se seguiu tomba ferido o capitão Benício Taveira, até que se fechasse a porta da escola. Nesse momento os soldados iniciaram uma ação de cercamento da área, surpreendendo a fuga dos mesários pelo quintal. Um tiro ainda foi disparado pelos soldados, sem atingir o alvo, contra Romão da Silva Rocha.

Talvez o depoimento do soldado Eustáquio fosse “arranjado”, de forma a inculpar a morte do tenente a um outro morto, o Capitão Antonio Martins, salvando-se portanto os vivos de maiores complicações. E talvez não.

A respeito de quem matou o tenente são muitas as versões que circulam em Niquelândia. Para uns foi este assassinado por um soldado de sua própria escolta. Já para Cristóvam D’Ávila, como vimos acima, por uma bala dos soldados que resvalou no portal da casa. Nunca talvez saibamos ao certo o que se passou a 15 de janeiro, há cem anos atrás.


Fato é que o episódio de São José logo chegou ao Parlamento Nacional, municiando a artilharia Liberal contra o novo gabinete conservador. Arrebatado pela emoção, o líder liberal José Bonifácio de Andrada, o moço finalizou um violento discurso contra o gabinete Cotegipe, bradando: “São José do Tocantins merece um poema!”

E o fato é que, conforme notícia publicada em “O Goiás”, em agosto de 1886, já recuperado, o Capitão Benício José Taveira parte em ato de graças para a romaria de Muquém, vestindo a mesma casaca furada a bala que envergava no dia em que foi ferido”...

O autor do roubo das urnas, Serapião Gonçalves de Almeida, abandonou São José para sempre, indo montar fazenda próxima à novel cidade de Dois Irmãos, antigamente no município de Pirenópolis. Meu avô Jacques Wirth, que lhe comprou parte da fazenda de Dois Irmãos – a qual pertenceu à família do autor por muitos anos – considerava Serapião o homem mais honesto que conhecera em Goiás.

Anos depois de escrever este livro, travamos na Cidade de Goiás amizade com as senhoras Lindaura e Edla Pacheco. Dona Lindaura nos auxiliava na montagem do Arquivo Histórico Municipal de Goiás e nos contou a história de que o crânio do tenente Pacheco, enviado para sua mãe inconformada, ficava guardado debaixo da cama da pobre mãe e toda uma geração de crianças da família brincou com ele e educou-se na indignação do crime. D. Edla Pacheco escreveu o livro “Zaca” em homenagem ao tenente, dando a versão heróica da família...

Note-se: um século havia se passado desde os fatos.

segunda-feira, abril 17, 2006

RIO MEIA PONTE - GOIANIRA-GOIÂNIA-ALOÂNDIA / 2005

por Paulo Castilho
SEGUNDA PARTE


Hugo Leonardo Albuquerque, o parceiro que enfrentou a aventura a partir de Goiânia

Após descansar na segunda-feira, prosseguimos viagem na terça, 18 de abril. Ano passado nosso ponto de partida foi a chácara do amigo Gioveroni. Neste ano decidimos sair um pouco abaixo, na ponte de concreto que liga o Vale das Pombas (Goiânia) ao município de Bela Vista.

O momento da nossa partida. Mais uma vez, o nosso amigo Janderson foi peça fundamental em nossa aventura.

Como a quantidade de chuva desse ano foi maior que a do ano passado, a quantidade de água está maior e a margem está mais baixa, o que facilitou nossa saída deste ponto. Saímos do local às 11:30 horas.

Assim que saímos, poucas curvas abaixo, deparamos com uma margem (direita) com sinais de extração de areia.

Por ser a primeira vez que o Hugo pega em um remo, pensei que a viagem deste ano duraria mais que os três dias que gastamos no ano passado. Em um balanço geral, cheguei à conclusão de que gastamos apenas três horas a mais que a viagem anterior.

Notei que aumentaram os pontos de retirada de areia. Ainda dentro do município de Goiânia, deparamos com dois homens que faziam a retirada manualmente. Nós os cumprimentamos e sem que fizéssemos qualquer pergunta, eles alegaram que estavam fazendo aquilo por não terem outra fonte de renda. O trabalho destes homens, em termos de danos ao meio ambiente, é nulo quando comparados aos trabalhos das dragas.


Segundo ponto de retirada de areia, no município de Aparecida de Goiânia.

Margem habitada. Sempre há problemas de desmatamento nesses locais. Além de desmatar totalmente a margem, os proprietários ainda tem a coragem de passar suas cercas rente às margens. Mesmo com o desbarrancamento e assoreamento visível, não há a menor preocupação de um reflorestamento no espaço exigido por lei. Alegar falta de informação já não é uma boa desculpa.

Nossa primeira parada para um lanche. Chamou-me a atenção este caudaloso riacho que desagua no rio pela margem direita. Há sinais de que ali seja um ponto de pesca.

Nosso primeiro acampamento. Paramos por volta das 17:30 Hrs.

O plano era acampar no mesmo local utilizado por nós no ano passado, ou seja, na ponte que liga os municípios de Hidrolândia ao de Bela Vista de Goiás.

Estava ficando tarde e decidimos que seria melhor parar nesse banco de areia à margem esquerda do rio. No local havia muitas pegadas e fezes de capivaras. Muito aconchegante e seguro este local. Atrás de nós um alto barranco dificultava a entrada de qualquer pessoa. Não encontramos madeira para a fogueira.


Como era a primeira experiência de viagem por rios do Hugo, ele estava muito amedrontado com a possibilidade de encontramos algum animal “selvagem”. Temia que fôssemos atacados por onças ou até mesmo por alguma sucuri. Resolvi tirar proveito e fazer algumas brincadeiras. Em nossa primeira parada para pouso, deparamos com um monte de fezes de capivaras, juntamente com algumas pegadas. Já que ele não conhecia nada daquilo, eu disse que era fezes e pegadas de onça... e das GRANDES! Ele se assustou logo de cara e não queria nem mesmo descer da canoa. Amarrar a canoa em uma árvore próxima ao barranco foi motivo de discussão, pegar lenha para uma fogueira... sem chance. O Hugo não saia de perto de mim e disse que iria montar a sua barraca colada na minha (veja foto acima).

De nada adiantou eu querer desfazer a brincadeira, ele não acreditava que a chance de uma onça aparecer por ali era quase nula e muito menos de que o homem não faz parte da cadeia alimentar desse felino (a não ser em casos extremos de fome, proteção de filhotes ou acuação). Se as presas silvestres se tornam muito raras, as novilhas, as ovelhas e as aves domésticas podem se tornar atraentes. Na maioria das vezes, o predador só está de passagem, em busca de comida. Basta fazer barulho, bater palmas, gritar e abrir passagem que ela vai embora.

Devido ao avanço da agropecuária, ao crescimento urbano ou grandes obras, como rodovias e hidrelétricas, a supressão de florestas nativas deixa as onças demasiadamente vulneráveis. Como predadores, animais de topo de cadeia alimentar, elas precisam de grandes áreas para caçar, viver e procriar. Um indivíduo macho adulto chega a ocupar entre 22 e 150 quilômetros quadrados dependendo da região e da disponibilidade de alimentos. Quanto menos presas disponíveis, mais as onças têm de caminhar. Ao sair em busca de alimento, elas topam com as fronteiras estabelecidas pelo homem. E, inadvertidamente, ‘avançam os sinais vermelhos’.

De acordo com pesquisas feitas pelo Cenap (Centro Nacional de Pesquisa), entre 1993 e 2003, houve 155 ocorrências de onças junto a fazendas e áreas urbanas, só na região Sudeste. Outros 115 casos foram registrados no Sul, no mesmo período. No Centro-Oeste foram 28, no Nordeste 22 e no Pantanal, 20. Longe de refletir a realidade devido à subnotificação, os números servem apenas como parâmetro da disputa pelo espaço.

Carcaça de uma vaca boiando rio abaixo, logo acima da ponte que liga a BR-153 ao município de Piracanjuba. O mal cheiro foi notado por nós alguns metros antes de chegar até ela.

Por volta das 16:30hr começamos a notar que o céu atrás de nós estava escurecendo. Grandes nuvens de chuva se agrupavam e fortes trovões começaram a ser ouvidos. O ideal seria procurar um lugar seguro para acampar, mas ainda era cedo e isto poderia atrasar completamente nossa viagem. Resolvemos arriscar e prosseguir viagem.

Chegamos à ponte de Piracanjuba justamente na hora em que a chuva nos alcançou. Pensei em acampar por ali, mas mudei de idéia quando pensei na segurança do local.

A experiência do ano passado de que dali para baixo os pontos para acampamento são raros, batiam sempre na minha cabeça. Mesmo assim, resolvi prosseguir viagem e diminuir a diferença de horas.


Aqui estamos exatamente debaixo da ponte nova de Piracanjuba, olhando para a antiga ponte que ruiu. Nos escondemos da chuva e aproveitei para dar uma breve cochilada dentro da canoa.

Logo abaixo desta ponte, passamos pela ilhota onde existe uma pequena casinha sobre palafitas.

A vegetação que margeia o rio a partir deste ponto muda completamente. Ciente de que teríamos dificuldades para acampar, resolvi entrar em um pequeno riacho que desembocava na margem direita do rio. Após percorrer uns dez metros por ele, achamos um ponto ideal para acampar. A margem alta e coberta por uma baixa vegetação foi o ideal.

Nossa segunda noite. Após uma tarde sob constante ameaça de chuva, acampamos em um braço de um riacho à margem direita do rio Meia Ponte. O local era seguro, pois estava a mais ou menos um metro da linha d’água.


Aqui neste acampamento, tive novamente a demonstração de outra fobia do Hugo: o medo de ser atacado por uma sucuri. Como tivemos que entrar em um pequeno tributário do rio, de pouca profundidade e cheio de raízes nas margens, ele ficou bastante assustado. Eu disse a ele que a sucuri “arfava” (fazendo um som parecido com um ronco) antes de atacar suas presas. Durante a noite, devido aos meus roncos, o Hugo ficou algumas horas sem dormir sem saber se quem roncava era eu ou a cobra!!!

A sucuri é um réptil ofídio da família dos boídeos. Para identificá-la, basta observar certas características: cor pardo-azeitonada, com uma dupla série de grandes manchas pretas e cabeça revestida de numerosas escamas pequenas. Elas habitam praticamente quase todo o território brasileiro, vivendo sempre à beira de rios e riachos. A Sucuri é a rainha da selva amazônica. No passado, a existência desta extraordinária serpente perdia-se nas brumas da lenda. Os exploradores que a haviam encontrado falavam de um aterrorizante monstro (o coronel Fawcett encontrou uma de 15 metros e Henry Walter Bates ouviu falar de espécies do mesmo tamanho); os índios, por seu turno, acreditam numa serpente mitológica com dezenas de metros de comprimento, chamada Mãe D’Água.

Passando da lenda à realidade, a sucuri continua sendo a maior serpente conhecida: ainda que o espécime conservado num museu de Londres tenha menos de nove metros, há notícias de espécies que, garantidamente atingem os doze metros (enquanto a rival direta da sucuri, a píton malaia ou de Bornéu, não supera os dez).

É possível que no passado tenham existido os espécimes gigantescos de que falam Fawcett e Bates nos seus livros de exploração? Talvez.

Infelizmente, a rainha da floresta corre o risco de extinção, submetida como é a um impiedoso massacre por parte de caçadores índios e colonos brancos.

A sucuri tem um processo digestivo muito difícil e trabalhoso, durante o qual se torna presa fácil dos caçadores. Sua única defesa, nesses casos, se mostra contraproducente: emana um desagradável e intenso odor que ajuda os caçadores a localizar seu esconderijo.

Por outro lado, a sucuri não conhece rival entre os outros animais na captura de suas presas. É quase sempre coroada de sucesso em suas lutas com o jacaré.

Como ele sempre deixava a canoa ir em direção às galhadas nas margens do rio, eu disse a ele que naqueles locais é que as cobras costumavam ficar, enroladas nas árvores. Foi o suficiente para que a canoa sempre navegasse no meio do leito!!! De vez em quando ouvíamos o som de um pica-pau martelando alguma árvore com seu bico. Ao ser perguntado sobre a origem daquele som, eu disse ao Hugo que se tratava de cobras alertando sobre sua presença (a canoa quase voava de tantas remadas!).

A principal ferramenta do pica-pau para sobreviver é o bico extremamente resistente, que é usado para picar a madeira do tronco das árvores à procura de insetos. Dotados de músculos fortes no pescoço, os pica-paus tem até uma proteção no cérebro, para suportarem a trepidação. Sem isso não agüentariam bater com o bico na madeira mais de 100 vezes por minuto, sem ficarem zonzos. Os ossos entre o bico e o crânio não são contínuos e sim ligados por um tecido esponjoso capaz de absorver os impactos e, assim, evitar danos cerebrais.

O maior risco que se corre ao fazer uma aventura como a nossa, é acabar esbarrando em uma cobra. Contei ao Hugo que na sede da Geo Ambiente existe a fotografia de uma cobra, que morreu ao tentar engolir uma presa de grande porte. Começamos a falar do tema.

Quando as pessoas se servem de refeições além de sua capacidade de comer, ou quando engasgam com um bocado maior, dizemos que têm “olhos maiores que a barriga”. Isto também pode acontecer com os animais, incluindo as cobras.

As cobras não tem dentes adequados parra mastigar ou cortar sua refeição em bocados. Portanto, tem que engolir inteira sua presa. Apesar da capacidade de engolir bocados grandes – pois sua pele é elástica e as costelas não estão unidas entre si – há um limite de volume. Se o limite é ultrapassado, está criada a situação de “olhos maiores que a barriga”.

Mortes de cobras por sufocação foram relatadas por biólogos em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil (a foto da Geo Ambiente é um bom exemplo).

Ao se deparar com uma cobra no meio do mato, é bom lembrar que a grande maioria delas é inofensiva para nós, e que na maioria das vezes nós é que somos um risco para elas. Todas são mortas indiscriminadamente, sejam inofensivas ou perigosas (caso das poucas espécies peçonhentas da nossa fauna). O risco que atribuímos a estes animais está baseado na nossa ignorância sobre seus hábitos. As cobras tem função importante na natureza, como predadores ou presas de outros animais.

A atual devastação ambiental é a maior ameaça para as cobras. Então, caso você se depare com uma, pense duas vezes antes de matá-la.

Outra draga de areia. Passamos por ela na manhã do terceiro dia. Outra vez tivemos dificuldades em passar pelos cabos que atravessam o rio. Essa estava em pleno funcionamento, um homem a manobrava enquanto outros quatro trabalhavam na margem.

As torres de transmissão de energia são indícios de que o lago está próximo.

A última coisa que eu esperava encontrar a partir deste ponto era uma draga de areia... mas ali estava ela, com seus cabos de um lado ao outro, em plena região do lago.


Chegamos ao ancoradouro do Renor exatamente às 16:15hr.

Ao chegarmos no lago, após exaustivas horas de remo, fomos fazer reconhecimento do local por onde passaríamos o equipamento.

Na margem oposta de onde acampamos, existe uma “rochinha”, bem ao lado da barragem do Rochedo, por onde as pessoas descem embarcações. Foi por ali que decidimos que passaríamos a nossa canoa.

Constatamos que seria possível transportar nosso equipamento através da rochinha. Todo o material teria que ser carregado por cerca de 500 metros. Voltamos para nosso acampamento e, após uma farta refeição (uma das melhores depois de todos esses dias), fomos dormir às 21:10hr.


Na manhã do quarto dia, após sair de minha barraca, enquanto tomava leite com chocolate, sentado no ancoradouro, essa foi a visão que tive do amanhecer. Eram 6:25hr do dia 22 de abril.
Nosso acampamento no ancoradouro do Renor, momentos antes de nossa partida.

Em breve postarei a terceira e ultima parte da nossa aventura.


Brig.Raimundo Jose da Cunha Mattos

ITINERÁRIO DO RIO DE JANEIRO AO PARÁ E MARANHÃO PELAS PROVINCIAS DE MINAS GERAIS E GOIÁS

OBRA DEDICADA AO EXMO. SR. DIOGO ANTONIO FEIJÓ
Regente do Império do Brasil,
PELO BRIGADEIRO
Raimundo José da Cunha Mattos
Oficial de Ordem Imperial do Cruzeiro, Comendador de S. Bento d’Ávila

Rio de Janeiro - Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve - Rua do Ouvidor n° 95 - 1836 (Primeira Impressão)

INTRODUÇÃO

Fazendo-se de dia em dia mais interessantes os conhecimentos geográficos, físicos e políticos do Império do Brasil, aos naturais e aos estrangeiros, em razão do aumento da sua agricultura, acrescentamento da população, desenvolvimento do seu comercio, progressos científicos dos seus habitantes, sobretudo pelo extraordinário empenho que se mostra na carreira das empresas de navegação, aberturas de estradas e canais que facilitem os meios de transporte, e o estabelecimento do Colônias agrícolas e de mineração, lembrei-me de procurar entre os meus manuscritos estatísticos, geográficos e históricos, o Itinerário que escrevi durante as minhas marchas, e no exercício de Governador das Armas da Província de Goiás, por me persuadir que esta obra pode ser de alguma vantagem aqueles que nas sobreditas circunstâncias desejarem consultá-la.

Muito poucos são os Itinerários propriamente ditos, que se acham impressos sobre as terras do Brasil: aqueles de que tenho notícia, anteriores aos anos de 1823 a 1826, em que escrevi os que agora apresento, são os dos Astrônomos, Engenheiros e Naturalistas empregados nas demarcações dos limites do Rio Grande, Mato Grosso e Pará; as relações das visitas do Bispo D. Fr. Caetano Brandão; o Diário da viagem do Ouvidor do Rio Negro, Francisco Xavier de S. Paio; e o Roteiro do Coronel Sebastião Gomes da Silva Berford, desde a Cidade de S. Luiz do Maranhão até o Rio de Janeiro. Os escritos do viajante inglês Mawe, do Príncipe de Neuwied, do Barão de Eschwege, do Tenente Coronel Varnhagem, os do outro inglês Koster e de mais alguns naturais e estrangeiros, apresentam muitas vezes relações itinerárias, isto é, a descrição seguida das marchas que fizeram durante as suas cientificas explorações.

Depois do ano de 1826 apareceram as estimáveis obras dos doutores Spix e Martius, Augusto de S. Hilaire, Major d’Alincourt e mui poucos outros escritos em forma de Itinerários; mas quase todas elas em razão do seu alto preço ou raridade, não andam em mãos daqueles que não possuem os meios de as consultarem.

Também não faltam histórias completas e memórias particulares de várias Províncias do Brasil, que uma ou outra vez apresentam relações diárias dos acontecimentos mais notáveis: isso não basta para eu compreender na classe dos Itinerários a interessantíssima história do Brasil por Southey, nem as de Beauchamp, Deniz, Scheffer, Warden, Hahn, Graham, Freireiss, Acard, Lienaus, Barclay Mountaney e outros sábios estrangeiros, nem as importantes memórias de Monzenhor Pizarro, a Corographia Paraense de Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva, e os Anais do Rio de Janeiro pelo Conselheiro Balthazar da Silva Lisboa, nem a Corographia Brazilica do Padre Ayres do Casal. Se os fins de todos os sobreditos Escritores foram mui bem desempenhados, eu procurei igualmente satisfazer a menos apreciável diligência de que em razão do meu emprego fui obrigado a encarregar-me.

O meu Itinerário não é uma simples carta de nomes, nem uma coleção fastidiosa de algarismos! Sem perder de vista a série sucessiva dos tempos e dos lugares, eu apresento detalhes e informações que interessaram na parte científica e temperam a aridez própria dos simples Roteiros. A maior parte do que escrevo foi por mim visto e examinado: fadigas extraordinárias, perigos iminentes são a moeda que me custou esta minha obra; não afianço a perfeição dela, porque na mesma França e Inglaterra não há perfeição absoluta em matérias geográficas; eu fiz quando pude, e ainda mais faria se tivesse quem me auxiliasse. Trabalhos desta natureza não se fazem a troco de boas e ainda menos de más palavras: honras e dinheiros são os ordinários moveis das empresas gloriosas; e quando o Governo ajudar aqueles que podem ser úteis, quando lhes conferir as recompensas que eles merecem, poucos homens haverão, que pelo título de amor próprio e esperanças de melhor fortuna, recusem embrenhar-se em sertões inóspitos e arrostar a morte em terrenos insalubres, por terem a certeza antecipada de acharem quem os valorize, quem louve as suas dedicações e quem faça caso das suas descobertas.

Tendo exposto aos meus leitores o objeto da Obra que ora submeto à sua censura, julgo conveniente fazer algumas observações muito necessárias àqueles que estudam a Geografia do Império Brasileiro.

As águas correntes são designadas na Província do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, em parte da de São Paulo e no Cuiabá pelos nomes de rios, ribeirões, córregos, riachos e riachões. Parece que o nome de rios deverá ser privativo às águas navegáveis: não acontece assim; muitas torrentes recebem o nome de rios sendo menos volumosos do que os chamados ribeirões, riachões, riachos ou córregos: eis o motivo de aparecerem em vários mapas as mesmas idênticas águas, ora com nome de rios, ora com o de ribeirões e córregos. Eu não me achei autorizado a alterar a nomenclatura estabelecida: isto pertence ao Governo em resultado do levantamento de cartas hidrográficas, corográficas e topográficas sujeitas a observações astronômicas.

As águas estagnadas com sangradouros temporários ou perpétuos, recebem conforme as suas extensões os nomes de lagos, lagoas, poços e ipoeiras: muitas vezes dá-se o nome de poço àquilo que apenas é uma ipoeira, assim como o nome de lago ao que não passa de ser uma lagoa. A maior parte das águas estagnadas secam de todo pela ação do sol abrasador, principalmente nos terrenos arenosos.

Muitas cordilheiras de montanhas são conhecidas ora pelo nome de serras, ora pelo de morros. Várias gargantas, desfiladeiros, ou quebradas que retalham um sistema de serras ou cordilheiras, dão lugar a denominações arbitrárias. Eu encontrei muitas montanhas designadas como serras diversas, tendo apenas uma légua de extensão: tal é o motivo de aparecer uma vasta nomenclatura de serras que na Província de Goiás podem ser reduzidas a dois ou três sistemas gerais, filhos da Serra do Mar e de ramificações das Andes e Nova Granada.

Em Goiás as Igrejas Paroquiais Matrizes e Filiais Curadas existem no meio de povoações de maior ou menor número de casas e que recebem os nomes de arraiais: não acontece assim em alguns lugares das Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Eu encontrei Igrejas Matrizes e Capelas Curadas que apenas tinham a casa do Vigário ou do Cuna junto às mesmas Igrejas e mais nenhum morador. Várias Capelas e Hermidas ou casas de oração de Goiás e outras Províncias, estão em lugares ermos, ou em alguma fazenda de açúcar ou criação de gados.

As povoações denominadas aldeias são privativamente habitadas por Índios domesticados ou selvagens; em algumas das primeiras residem vários agregados de raça diferente dos possuidores originários.

As propriedades rurais são conhecidas pelos nomes de fazendas, engenhos, sítios e roças. As fazendas são aquelas em que se cria gado vacum, cavalar ou cerdal. Os engenhos são os que tem fabricas de açúcar, em muitos dos quais não existe um só escravo. Roças são as propriedades em que se cultivam unicamente gêneros cereais e farináceos em ponto grande; e os sítios são as propriedades em que se fazem pequenas plantações.

As matérias mais importantes da geografia do interior do Brasil e aquelas em que mais se anda as apalpadelas, são as latitudes e longitudes dos lugares. Eu tenho motivos sobejos para afirmar que nas Minas Gerais e em Goiás fizeram-se mui poucas observações astronômicas e que acerca das longitudes, tudo é obscuridade, pois que o mesmo Barão de Eschwege, na sua obra excelente sobre o Brasil, e na qual apresenta uma larga tabela de latitudes, não se atreveu a marcar as longitudes, prova de conhecer que há incerteza completa a respeito de todas as que aparecem nos escritos dos historiadores. Eu possuo uma larga coleção de longitudes e latitudes dos lugares interiores do Brasil; e tive a desgraça de não encontrar dois pontos em que se conformassem. As mesmas marchas que eu fiz, as distâncias que havia de lugar a lugar, e os rumos a que respectivamente demoravam, mostraram-me os erros dos Astrônomos Jesuítas Diogo Soares e Domingos Chapazzi; ou para melhor dizer, eu fiquei entendendo que estes Jesuítas não fizeram observações astronômicas em Goiás. Que maior prova pode haver sobre a falta de observações ou dos erros delas no caso de se terem feito, do que as diversas alturas assinadas à confluência dos Rios Tocantins e Araguaia e muitos outros lugares? Eu segui as informações do Engenheiro Salvador Franco da Matta, feitas durante a sua jornada por terra para Mato Grosso no ano de 1772, sem contudo afiançar a exatidão do seu mapa, por saber que não tem sido ratificado por observações posteriores e não haver o Barão de Eschwege, ou outro Oficial instruído, tomado a seu cargo a verificação da longitude das Minas Gerais depois que o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, no ano de 1714, satisfazendo a Ordem Regia de 5 de Junho de 1711, levantou o primeiro mapa da sobredita Capitania para se proceder à divisão das suas Comarcas. Se algum dia aparecerem as corografias históricas das Províncias de Minas Gerais e Goiás, que eu escrevi com muita extensão e grande cuidado, ver-se há tudo quanto ficou ao meu alcance sobre os rumos das ciências físicas e matemáticas destas duas Províncias, que foram objetos dos meus importantes e mui volumosos trabalhos, dos quais os Itinerários são um pequeno extrato.

Não posso perder a ocasião de dar duas palavras sobre a Corographia Paraense composta pelo Sr. Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva e impressa na Bahia no ano de 1833. Este Geógrafo mostra haver descido o Rio Tocantins e fez a respeito dele observações mui circunstanciadas. Eu desejarei que ele compare as suas com as minhas descrições, começando desde as fontes meridionais do Rio Uruhú, bem certo de que poderá acrescentar alguma coisa em uma nova edição que pretende publicar.

Devo declarar que escrevi esta minha obra com a maior imparcialidade; apontei o bom e o mal; não temo que me desmintam naquilo que eu digo de conhecimento próprio: as pessoas com quem servi e quase todas aquelas de que trato, existem vivas. Não aponto anedotas do interior das famílias, para não ser censurado e havido como ingrato à hospitalidade e aos imensos favores com que sempre me obsequiaram nas Minas Gerais e Goiás, Províncias que eu poderia atravessar e esquadrinhar cientificamente sem fazer cinco réis de despesas, e sem temer o menor risco da parte dos seus moradores honrados.

Os curiosos, comparando os meus mapas e literários com os mapas antigos, acharam diferenças em nomes de alguns lugares: eu dou a razão dessas mudanças. No sertão cada fazendeiro tem um santo, seu advogado ou intercessor; e acontecendo estabelecer um sitio ou fazenda, põe-lhe às vezes o nome desse santo; e isto mesmo também se pratica em algumas ocasiões de compras de antigas propriedades, mudando os novos senhores os nomes com que as fazendas eram conhecidas até esse tempo. Ninguém mais fez uso dessa liberdade do que o sábio Barão de Eschwege e Mr. Marliere. Eles mudaram e deram novos nomes a rios, córregos e ribeirões, principalmente nas proximidades do Rio Doce, talvez por motivos bem fundados. Outros viajantes estrangeiros também o imitaram a este respeito, para fazerem obséquios e perpetuarem a memória dos fazendeiros que os hospedaram nas suas casas: eu apresento um exemplo e poderia oferecer muitos mais. Os Doutores Spix e Martius foram hospedados na Fazenda de S. Roque pelo ajudante Francisco Rodrigues Frota, de que trato no Itinerário N° 11, e em atenção a esse Oficial, lançaram no seu mapa a dita Fazenda S. Roque com o nome de Frota. Esta liberdade, pior do que a poética, é muito prejudicial na geografia e quando pouco mal faça, obriga ao menos a escrever nomes diferentes de um idêntico e único lugar, o que talvez induza a pensar que são lugares diversos. Ainda há outro defeito muito importante, e vem a ser a falta de cautela com que os viajantes estrangeiros escrevem os nomes dos lugares e arvoram em vilas e povoações aquilo que apenas é uma fazenda. O viajante inglês Mawe foi infeliz a esse respeito, e por isso incorreu na justa censura do Padre Cazal. Dar o nome de town ou bourg a uma fazenda em que há muitas senzalas de escravos, terá como resultado o não se saber daqui a alguns anos se com efeito os lugares notados como town ou bourg, eram arraiais ou vilas, ou se simplesmente foram fazendas de gados ou de engenhos de açúcar, e não pareça isso uma quimera, pois o que no dia de hoje ignora-se em Goiás se os sítios denominados Calhamares, Corriola e outros, eram fazendas ou se foram arraiais regulares e como foram destruídos ou abandonados. Nos antigos mapas figuram como arraiais muitos sítios hoje desertos, acontecendo isto mesmo a inumeráveis fazendas que, ou foram abandonadas e destruídas, ou receberam novos nomes a arbítrio de possuidores novos. Esta desordem tem de continuar nos sertões ainda por muito tempo em grave prejuízo da geografia, se o Governo não obstar a essa mal entendida liberdade de mudança de nomes, fazendo imprimir mapas gerais. Eu, ao mesmo passo em que censuro o arbítrio com que se tem mudado várias denominações, indico com a de Mausoléu o Morro Cabeça de Boi da Serra Geral no Julgado do Porto Real. O morro apresenta a perfeita configuração de um mausoléu, e inculcando-o como tal, procuro que algum sábio viajante o examine mais de perto e faça acerca dele aquelas observações que eu não tive tempo de praticar. O nome de Mamas que dei aos dois belos outeiros da Chapada de Santa Rosa de que tratei no dia 25 de Maio de 1823, não tinham outra denominação e merecem ser indicados como marcas no roteiro da Mina das Plantas incrustadas.

Devo confessar o muito que sou obrigado ao Ilmo. E Rmo. Sr. Cônego Luiz Antonio da Silva e Souza, Provisor e Vigário geral do Bispado de Goiás. Este sábio eclesiástico é o pai da coreografia da Província e tudo quanto se tem escrito no Brasil acerca dela desde o ano de 1812, está baseado nas suas excelentes Memórias Goianas, que debaixo do nome de Custódio Pereira da Veiga correm impressas na Coleção do Patriota do Rio de Janeiro. Quando eu comecei a juntar os materiais para a coreografia histórica da Província de Goiás, ignorava a existência desta Memória, e por isso depois de concluída a minha obra, pedi ao sábio Memoralista e à Câmara da Cidade de Goiás, uma cópia daquele precioso manuscrito, para o confrontar com os que eu já tinha arranjado. A Câmara e o ilustre autor da memória obsequiaram-me como eu esperava, honrando-me pelas cartas aqui juntas, muito mais do que eu tinha razão de ambicionar:

CÓPIA - “Ilmo. e Exm. Sr. Brigadeiro Raimundo José da Cunha Mattos,

Tendo escrito há poucos dias a V. Ex., tive hoje a satisfação de receber a sua honrosa carta, verdadeira produção de um ânimo generoso, que liberaliza o que tem sem atender ao pouco ou nada que mereço.

Tinha em lembrança, como prometi, pôr me na presença de V. Ex. com a vênia necessária, a Memória que escrevi obrigado, e de que logo me arrependi desconfiado de mim mesmo, mas quando tive tempo livre para isto, tive a certeza de ser enviada pela Câmara a V. Ex.; é este o motivo de não cumprir a promessa que tinha feito como a escrevi ao Rd. Padre Silva. Terei muita satisfação de ver suprido o que me faltou, e que tenha a Nação e o Império a respeito de Goiás as noções que lhe faltavam. Desejo a V. Ex. saúde e felicidade. Deus guarde a V. Ex. muitos anos. - Goiás, 19 de Dezembro de 1824. - Ilmo. e Exm. Sr. Brigadeiro Governador das Armas. - De V. Ex. muito venerador e criado – Luiz Antonio da Silva e Souza.”

COPIA DO OFICIO DA CÂMARA – “Ilmo. e Exmo. Sr. – Temos a satisfação de enviar a V. Ex. uma cópia da Memória que esta Câmara possui em seu arquivo assar c vasta e para o fim que V. Ex. nos inculca em seu Oficio de 10 de Novembro pretérito, útil e própria para dela tirar matérias para enriquecer a Coreografia Goiana que V. Ex. tem entre mãos, da qual encarecidamente rogamos a V. Ex. queira brindar a esta Câmara com uma cópia, afim dela ornar-se com este precioso monumento, filho das luzes e desvelos com que V. Ex. se emprega no bem ser deste recente Império, que lhe foi partilhado pelo gigante deste século, o nosso amado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo. – Goiás, em Câmara de 13 de Dezembro de 1824 – Ilmo. e Exmo. Sr. Raimundo José da Cunha Mattos, Governador das Armas desta Província. – Jacob Fortes de Sá. – Pedro Gomes Machado. – Domingos José Dantas.

Se a Câmara, o sábio autor das Memórias Goianas e eu mesmo, ficamos iludidos na esperança de ver publicada a minha Corographia Histórica, por falta de fundos pecuniários para a impressão dessa interessante obra, assim como da Coreografia Histórica da Província de Minas Gerais, agora no meu Itinerário verão uma pequena parte daquilo que está pronto e eu desejava apresentar para não se perderem os escritos importantíssimos resultados de muitos anos de trabalhos.

Devo pedir aos Srs. que se acham à testa da Administração Pública de Goiás, que continuem e aperfeiçoem os meus manuscritos: eu emendei os antigos mapas em mais de três mil pontos diferentes, por onde transitei, e daqueles de que recebi informações em que podia de certo modo confiar: ninguém pense que os meus mapas são absolutamente exatos. Eu os declaro nos Itinerários: se eu fiz mais de três mil emendas nos antigos mapas manuscritos, agora pelos Itinerários e mapas impressos, proporciono os meios convenientes de se proceder a novos exames e às correções inumeráveis que será necessário praticar. Eu apenas transitei pelas estradas gerais de Goiás; não fiz explorações pelas terras desertas ainda nas povoadas que ficavam fora da minha linha de marcha. Só afianço aquilo que eu mesmo observei e deixo a outros melhores do que eu, o mais que entenderem ainda faltar. A Província de Goiás não podia ser explorada em dois anos por um homem quase desacompanhado, e que, além dos entretenimentos geográficos, tinha muitas outras cousas em que cuidar.

Como depois do ano de 1826 em que escrevi o último artigo do Itinerário, por haver chegado ao Rio de Janeiro no fim do mês de Abril, ocorreram várias mudanças na Província de Goiás; julgo conveniente fazer um Apêndice onde não só mostro essas novidades acontecidas, mas também algumas correções sobre tópicos em que houveram enganos por eu ter sido mal informado. Esses enganos foram mui poucos, porque sempre procurei escrever com grande cautela e depois de me achar iluminado pelas pessoas que eu supunha estarem melhor ao fato dos acontecimentos relatados.

quinta-feira, abril 13, 2006

RIO MEIA PONTE
GOIANIRA-GOIÂNIA-ALOÂNDIA2005


por Paulo Castilho




PRIMEIRA PARTE


Ao fundo, a margem por onde entramos no rio.

No ano de 2004, eu e o Ronilson P. Marques, fizemos o percurso de Goiânia ao Lago do Rochedo pelo leito do rio Meia Ponte, em um total de 170 km - por terra a distancia nao passa de 99km. Começamos a aventura no dia 21 de Abril e concluímos no dia 23, tres dias arduos de descida.

Esse ano eu quis fazer um percurso mais longo. Decidi que o ideal seria sair de Goianira, distante 55km desde minha residência, passando por Goiânia e seguindo além do lago, indo até o município de Aloândia.

A equipe inicial foi composta por mim, Rogério, que iria me acompanhar no remo e Donato, que por sua vez estaria dando início a um trabalho de filmagem das condições do rio.

Além do material filmado, nós também fizemos o registro através de fotografias.

Saímos de Goiânia às 8 horas da manha. Na cidade de Goianira fomos auxiliados pelo amigo Valdivino, que nos levou até o rio. O transporte de Goiânia a Goianira foi feito na Kombi de um amigo.

A margem que usamos como ponto de partida está totalmente desmatado. Trata-se de uma curva, que serve como vazante na época das cheias. O local poderia muito bem ser reflorestado, mas o proprietário local o usa como pasto para o gado.

Em se tratando de reflorestamento da mata ciliar, há espécies pouco conhecidas da população, como a “dedaleira” (Lafoensia pacari), uma árvore de pequeno a médio porte, de flores brancas amareladas, que de novembro a janeiro atrai morcegos, mariposas e abelhas, seus polinizadores. Ela está sendo usada no reflorestamento da Mata Atlântica. Tradicionalmente, sua madeira era usada na fabricação de flechas pelos índios guaranis.


Janderson e sua Kombi, responsável pelo transporte do equipamento
Ao se fazer o trabalho de reflorestamento, acho que seria interessante pensar na fauna da região. Pensando assim, seria interessante pensar em árvores que atraem e alimentam os pássaros. Nesse caso, teríamos que pensar em plantas especiais, como a árvore fruto-de-sabiá (Achnistus arboreus). Embora tenha apenas o nome de um pássaro em particular, pode alimentar outras 50 espécies como saíras, sanhaços, pombas, tico-tico-rei.

A maioria das pessoas sempre pensam, “Mas não leva muito tempo até crescer?”. Temos que parar de pensar em soluções imediatistas. Ninguém fica nesse mundo para semente, mas nossas idéias sim, podem ser sementes para uso de todos. Plantar árvores é semear a vida. Vê-las crescer, florescer, frutificar é uma forma de amor incondicional.

Rogerio e nossa equipe de apoio.

A perda da mata ciliar representa uma das maiores ameaças aos sistemas aquáticos. A vegetação das margens contribui para o delicado equilíbrio das águas. Como os cílios protegem nossos olhos, essas matas protegem as margens das nascentes e rios, contendo suas barrancas e constituindo um verdadeiro filtro de retenção dos sedimentos, resultantes da erosão. Com a mata na integra, a copa das árvores não permite que a chuva caia diretamente no solo. A água escorre vagarosamente pelos troncos, infiltra no solo e alimenta nascentes e o lençol freático.

Sem a mata ciliar, a água arrasta sedimentos para os rios, que ficam turvos. Os próprios fazendeiros pagam o preço do desmatamento. Com o solo desprotegido, as chuvas lavam o solo dos pastos, que ficam pobres em nutrientes e o gado também sofre as consequências da retirada radical das matas.

Um dos momentos difíceis da viagem. Tivemos que passar a canoa vazia amarrada por cordas por sobre várias pedras.

A estação de coleta e tratamento de água de Goiânia tambem foi um dificil obstáculo que tivemos que transpor. A canoa teve que ser carregada por fora do leito. O guarda, que faz vigilância no local veio até nós, explicamos o que estávamos fazendo e em seguida prosseguimos viagem.

Ao fundo, Estaçao de Elevaçao de Agua de Goiania

Depois de percorrer 70 Km a partir de sua nascente, este rio margeia a região norte da capital e segue em direção às águas do sul. Só em Goiânia, ele já chegou a receber diariamente mais de 170 milhões de litros de esgoto.
Abaixo da estação de coleta de água, apesar de termos passado por vários pescadores e até mesmo banhistas (vários deles), começam as irregularidades. Esgotos são jogados diretamente no rio e águas são coletadas irregularmente (?) para irrigação.

Durante a descida, encontramos famílias inteiras tomando banho e até mesmo assando carne na beira do rio. Por não querer invadir a privacidade dos mesmos, não fizemos fotos, 0 mesmo aconteceu com os pescadores.


Esgoto domestico sendo despejado in natura no leito do rio

A idéia inicial era remar de Goiânira até Goiânia até à chácara do Gioveroni Limongi, próximo da GO-020, de onde partiríamos em direção a Aloândia na terça-feira. Os obstáculos encontrados pelo caminho acabaram por atrasar nosso percurso. Tivemos que improvisar uma saída antes do previsto. Acabamos saindo na ponte que liga o Carrefour Norte a Arisco (Perimetral Norte).

Como não havíamos previsto esse incidente, tivemos que improvisar socorro para transportar o barco. Após várias tentativas, acabou sobrando para o parceiro do ano passado, Ronilson, que veio em nosso auxílio.


Donato, Rogerio e eu. Notem como ja estava escuro quando chegamos.
Pouco acima de onde nós aportamos, existe na margem direita uma verdadeira “cascata” de esgoto. A falta de iluminação impediu que fotografássemos a mesma.

Mesmo com toda a sujeira do local e do mal cheiro, no local em que retiramos a canoa do rio havia umas seis pessoas pescando.

Saímos dali por volta das 19:30 hrs.

Ronilson - responsavel pelo nosso inesperado resgate.

O plano agora era descansar para seguir viagem na terça-feira (19 de abril).
O grande problema do rio no perímetro urbano de Goiânia, além do esgoto e lixo plástico, são os entulhos. Eles formam verdadeiras “ilhas” nas margens e no meio do rio. Até mesmo nessa época em que sua caixa está cheia, nosso barco raspou o fundo várias vezes nessas ilhas.
- em breve irei postar a segunda e terceira parte desta aventura -

domingo, abril 09, 2006


GOIANIA-GOIÁS.BLOGSPOT.COM

BEM-VINDOS ao nosso blog.
PAULO CÉSAR CASTILHO
asado e pai de uma linda garota.


A partir de hoje nós estaremos sempre em contato através de nosso “blog”.

Sou um apaixonado pelo nosso estado. Aqui nasci e aqui vivo.

Encravado no “Coração do Brasil”, Goiás possui belezas naturais e históricas que precisam ser divulgadas. Foi então que decidi criar este espaço. Aqui pretendo mostrar um pouco de cada dessas coisas, tudo de forma bem simples, como se estivéssemos batendo um papo na mesa de um barzinho (muito à moda goiana).

Nossa intenção aqui é preservar, divulgar e valorizar a história de nosso Estado, de nossos municípios e de nosso povo.

Aqui você sempre encontrará contos, histórias e fatos narrados por diversos autores e até mesmo por pessoas comuns, que foram testemunhas ou viveram fatos que merecem ser destacados.
Entretanto, se você tem uma boa história para contar, não perca tempo. Entre em contato conosco:




Inaugurando a nossa página, apresentamos um trecho do livro “CRÔNICAS DE MINHA TERRA – Casos – História – Cotidiano”, de Joaquim Graciano de Barros Abreu.Segundo o autor, Goianidade é uma característica especial. Simples, hospitaleiro, cordial, o goiano valoriza a família e ama a Natureza

Tenham uma boa leitura.
Aguardo nova visita sua em breve.

PC Castilho




Goiânia – anos 1940

TIÃO BURRO PRETO
por Joaquim Graciano de Barros Abreu


I
No meu tempo de infância o tipo de rua mais original que passou por Goiânia foi o “Burro Preto”. Por mais paradoxal que pareça, a verdade é que ele, dentro de seu mundo de debilidade mental, tinha uma grande personalidade. Sempre vestido com terno de linho branco, gravata vermelha, cabelo todo glostorado, ele impunha medo e curiosidade entre a meninada.

Tião Burro Preto gostava muito de festas, sobretudo de comícios eleitorais. Gostava também de tomar uma “birita” no bar do Grande Hotel, onde sempre aparecia um gaiato para lhe chamar pelo apelido, o que provocava o maior xingatório. Aí então eram gritados os nomes mais feios e cabeludos. As mocinhas tampavam os ouvidos e ficavam vermelhas de vergonha.


II
Não podia ter um comício em Goiânia, que o Burro Preto estava presente. E o pior é que ele estragava o comício. Trepava num caixote ou noutra coisa qualquer e largava a sua inflamada oratória. Acontecia então, que todo mundo do comício deixava de ouvir o orador do palanque, para poder apreciar a catilinária do Tião. O público do Burro Preto acabava sendo maior que o do comício. Num comício desses, um membro do antigo PSD queria mandar prendê-lo. Tião entretanto era querido. Policial nenhum ousava encarcerá-lo. Se tal acontecesse, a revolta, sobretudo dos estudantes, seria fatal.


III

Um dia os políticos chegaram à conclusão que, o melhor meio de neutralizar o Tião Burro Preto, seria dar-lhe a palavra durante o comício. Assim o povo divertia por alguns minutos e tudo terminava bem.

Chegou a vez de Tião falar, logo depois de um cabo eleitoral da Vila Nova. Recebido com aplausos, pegou o microfone e começou o seu discurso, como sempre enaltecendo a figura do Dr. Pedro, então governador.

Aí acontecia o que muitos temiam. Um gaiato, no meio da platéia, gritou: “Cala boca, Burro Preto!”.

A “tempestade” então aconteceu. Tião arruma o nó da gravata, chega o microfone mais perto da boca e solenemente, pausadamente, soletrando sílaba por sílaba, desabafa: “Burro Preto é a puta que te pariu!”. Daí, aos gritos, continuou enumerando os filhos disso e daquilo e muitas coisas sujas.

O comício teve que ficar parado por bons minutos, enquanto Tião, muito bravo, era levado para casa. A banda da policia aproveitou o intervalo para tocar um valente dobrado.



AVENIDA GOIÁS E GRANDE HOTEL (1936)

(Projeto Álbum – 60 Anos Jornal O Popular)

Embora no ano desta fotografia Goiânia já tivesse quase quatro mil habitantes, era esse o aspecto que tinha a Avenida Goiás. Em toda sua extensão, a única edificação era o Grande Hotel, na esquina da Rua 3. Mandado construir pelo governo estadual – que precisava de um local de hospedagem para políticos, empresários e visitantes ilustres – o Grande Hotel, com seus três pavimentos, tornou-se o maior edifício da cidade.

As instalações desse hotel eram uma imensa novidade, com seus apartamentos, banheiros completos com água quente e fria, salas de estar, luminárias sofisticadas, telefones e campainhas em todos os quartos, um bar quase europeu e um restaurante de fino trato.

Nos anos seguintes e até os anos 60 (mesmo depois do golpe militar de 1964), o Grande Hotel tornar-se-ia um dos pontos de encontro da cidade, sobretudo depois de 1946, quando a Assembléia Legislativa instalou-se do outro lado da rua, junto à Brasserie, o bar/sorveteria mais refinado da cidade. Durante esse tempo, as calçadas do Grande Hotel eram freqüentadas por intelectuais e políticos e, nas noites de sábado e domingo, o passeio defronte o local do footing, que atraía toda a gente jovem da cidade.

Goiânia não teve só o Grande Hotel, é claro. Ao longo dos anos 40 – além dos hotéis e pensões de Campinas – foram surgindo vários: o Marmo Hotel, preferido dos viajantes e que ficava na Anhanguera, entre as ruas 20 e 24; Hotel Coimbra (Araguaia c/ Rua 4, onde hoje há uma choperia; Pensão Goiandira (Rua 20, logo abaixo da Anhanguera); Pensão Triângulo (Rua 20 c/ Rua 5); Hotel América (Rua 23); Hotel Itajubá (Rua 4) e Hotel Sto. Antoninho (Rua 68).

Mas, em 1936, na Avenida Goiás quase imaginária, dois riscos de terra batida e precários postes de eletricidade, tendo ao fundo o vulto do palácio em construção, da Secretaria Geral e alguns barracões de obras que se iniciavam, o Grande Hotel reinava, soberano e
solitário.





UMA TREMENDA COINCIDENCIA

Sempre que posso, passo algumas horas dentro de uma loja de livros usados, à procura de alguma “peça” rara. Antigamente eu fazia essas visitas por questões de preços. Os livros costumavam ser sempre mais baratos que os novos. Hoje a coisa mudou. Os donos dessas lojas parecem que perderam a noção dos preços dos livros e chegam a cobrar valores que se igualam ao preço de um livro novo... e quando eles vão comprar esses livros, pagam quase nada por eles.
Na última visita que fiz, em abril do ano passado (2005), encontrei quase uma dezena de bons livros em uma mesma livraria. Entre os livros estava um que eu nem sabia do que se tratava, mas me chamou a atenção devido a sua capa, onde aparecia um belo índio brasileiro (“Chacina do Meruri – a Verdade dos Fatos”, de José Mario Guedes Miguez).
São tantos os livros que vou adquirindo que eles acabam ficando na estante, aguardando um momento oportuno para serem lidos, como foi o caso do livro citado.

Em março de 2006, enquanto eu estava na Fan’s House (local onde trabalho fazendo gravações de discos de vinil e fitas K-7 p/ CD), fui procurado pela antropóloga e professora da Universidade Federal de Goiás, Mari Baiocchi. Ela precisava fazer a transposição de alguns discos de vinil, que continham cânticos indígenas (Xavantes). O trabalho acabou me despertando o interesse em ler alguma coisa sobre os índios. Como tenho vários livros sobre o assunto e que ainda não foram lidos, lembrei-me daquele com a bela fotografia na capa.

Comecei então a ler o “Chacina do Meruri”, que narra os acontecimentos reais ocorridos entre índios e fazendeiros na região da cidade de Barra do Garças, na segunda metade dos anos ’70, quando houve ali um conflito entre as duas partes. O livro apresenta documentos originais transcritos na integra.

Quando terminei de lê-lo, fiquei com aquele gostinho de “quero mais”. Gosto de me aprofundar ao máximo no assunto que estou lendo e sempre vou em busca de mais informações. No caso deste livro, eu não via muitas chances de obter mais alguma coisa, a não ser uma conversa com a Prof. Mari Baiocchi, que poderia me passar mais detalhes.

Justamente no dia em que acabei de ler o livro, dia 11 de abril de 2006, uma pessoa me ligou perguntando se eu gravava de fitas K-7 p/ CD. Após a confirmação, a pessoa me procurou e me passou 5 (cinco) fitas. Disse que se tratava da gravação do julgamento de um crime ocorrido em Barra do Garças nos anos ’70 (!!). Arrepiei-me no momento. Ela me confirmou que se tratava do caso da CHACINA DO MERURI.

Putz grila!!!! Não era possível. Eu acabara de ler o livro naquele mesmo dia!! Pra tornar o caso ainda mais intrigante, fui informado que ela própria teve muita dificuldade em conseguir um exemplar do livro, que teve uma tiragem muito pequena.

Dessa forma eu pude então ouvir todo o processo, que está praticamente todo documentado no livro.

Coincidência, muita coincidência.



CHACINA DO MERURI – A VERDADE DOS FATOS
por José Mario Guedes Miguez
NOTÍCIA VEICULADA PELO JORNAL “O GLOBO”(25.07.76)

“PRESO CHEFE DA CHACINA DE MERURE”


BARRA DO GARÇAS, MATO GROSSO (De Daniel Lopes e Marcos Arruda, enviados especiais de O GLOBO) – O fazendeiro José Antonio Miguez, um dos três chefes do ataque à aldeia dos indios bororos, em Merure, entregou-se ontem pela manhã à Policia, na Delegacia de Barra do Garças. Ele estava acompanhado do seu advogado.

O preso, depois de ouvido na Delegacia de Barra do Garças, foi levado para o 1° Batalhão Independente de Policia Militar, a quatro quilômetros da cidade, onde ficará até segunda-feira, quando será transferido para Cuiabá – segundo informou o comandante da corporação, Major Loureto.

BILHETE
No depoimento prestado, José Antonio Miguez, de 36 anos candidato a vereador pela Arena, em Barra do Garças, disse que foi chamado pelo fazendeiro Antonio Nonato, através de um bilhete, para participar do embargo aos trabalhos da demarcação na Reserva Indígena de Merure, no dia 15 deste mês.

- Ao receber o bilhete de Nonato – disse – convidou-me para reunir-me no dia seguinte, às 14 horas, num bar nas imediações da aldeia, não esperava que fosse surgir qualquer crime. Meu objetivo era apenas saber se as medições estavam sendo feitas legalmente. Quando surgiu o tiroteio procurei me esconder atrás de uma camioneta, para salvar a vida, e não vi quem atirou no Padre Rodolfo.

PRECAUÇÕESPoucas horas depois da prisão de José Antonio Miguez, dois padres e três agentes da Policia Federal vieram da aldeia de Merure para constatarem se realmente o fazendeiro estava preso. Eles também disseram ao delegado regional, Capitão Moacir do Couto, que os índios continuavam irritados e todas as precauções deveriam ser tomadas para evitar um ataque contra o preso e seus parentes.
O Capitão Moacir do Couto disse que aguarda, para este fim de semana a prisão dos outros dois lideres do ataque à aldeia dos índios, o fazendeiro João Marques de Oliveira – conhecido como “João Mineiro” – e o barbeiro Alaor Borges, foragidos desde o dia 16.
A Força Policial que chegou sexta-feira a Merure, aumentando o número de soldados presentes – agora são 70 homens da PM – foi o principal motivo da decisão de José Antonio Miguez em se entregar à Policia, temeroso de ser preso e sofrer condenação maior.
Para hoje a Policia espera prender o fazendeiro Antonio Nonato, candidato a prefeito em General Carneiro, agora acusado de ser um dos organizadores do plano para atacar a aldeia dos bororos, que culminou com a morte de três pessoas – um padre, um branco e um índio – e ferimentos em outros cinco.
A Policia Militar aconselha os fazendeiros que moram perto de Merure e São Marcos a se afastarem por algum tempo, pois acha que já não impedirá os índios de fazer incursões noturnas às suas propriedades, a fim de vingar a morte do índio Simão Cristino. Por isso, mais de 20 famílias já saíram das fazendas, depois que 150 xavantes armados cercaram e prenderam o fazendeiro Noil Borges de Oliveira, entregando-o à Policia”.


“A Força dos Documentos Mostra o Reverso da Medalha”
É essencial e imprescindível à narrativa histórica, o estabelecimento e o rigor da verdade documental. Tal pressuposto cientifico é tão curial que a sabedoria popular transformou em axioma a expressão: contra fatos não há argumentos. E o documento é o testemunho concreto do fato... Com base na amostragem documental, arcabouço e cerne da estrutura da obra histórica, é que deve partir o narrador para as conclusões que se fizeram pertinentes. Não obstante, tais conclusões não podem, nem devem, impor-se por si mesmas senão como decorrência natural do exame documental. A análise histórica é, por assim dizer, filha predileta do documento. Daí a imperiosa necessidade de recolher-se, com isenção e amplitude, todos absolutamente todos, os documentos atinentes ao tema em estudo. Só assim terá aquele que se propôs a elaborar um trabalho de cunho histórico, realizado cabalmente sua tarefa.

O grande mérito do trabalho presente é, sem dúvida alguma, o de ter recolhido o maior número possível de documentos referentes ao tema que apresenta. Se se exime no entanto de uma análise circunstanciada, quer do ponto de vista histórico quer do político, e isto é aliás sua grande lacuna, não obstante há uma razoável fartura documental.

E o que foi, ou o que é, o acontecimento conhecido jornalisticamente como a “Chacina do Meruri”, senão uma imensa sombra permeando a realidade dos fatos. Apenas um ou outro dado do problema foi mostrado nas páginas da imprensa que voltou-se sobre o episódio do entrevero entre padres, índios e fazendeiros. Todavia, uma dicotomia estava criada. De um lado, um enfoque, digamos “nacional”, em que se condena os fazendeiros, erroneamente tidos como posseiros e invasores e conseqüentemente havidos como agressores, e de outro, uma visão local, diametralmente oposta. Daí inclusive o espanto, e até certa indignação, da imprensa quando os fazendeiros implicados no referido episódio foram absolvidos pelo júri popular no julgamento de Barra do Garças.

E onde está a verdade? Ela aflora soberana da concretude documental ora mostrada. E José Mario mostra documentos, e praticamente se exime de narrar em seus próprios termos. Para ele o documento é tudo. É, não obstante, elementar que um fato não existe por si só mas é fruto de um encadeamento natural de acontecimentos e circunstâncias muitas vezes de menor ligação entre si. Assim, há que se buscas causas as mais longínquas. E o autor, vai longe e mostra-nos aspectos por vezes pouco conhecidos do problema quando, por exemplo, transcreve parte do áspero mas insuspeito relatório do ínclito matogrossense Marechal Candido Mariano Rondon enviado, em julho de 1911, ao então Ministro Pedro Toledo, da pasta a Agricultura. Não apenas esse relatório transcreve o autor. Documentos cartorais mostram as diferentes maneiras com que foram adquiridas as terras, hoje reivindicadas para reservas indígenas. José Mario volta igualmente suas baterias contra aquele órgão que considera como “o maior inimigo do índio”: a FUNAI.
Uma das falácias propagadas aos quatro ventos e amplamente divulgada, sobretudo após o resultado do julgamento dos fazendeiros barragarcenses, é a de que a população da região é inimiga dos silvícolas. Porém, os que aqui convivem na faina do trabalho diário ou os que estiverem, em algum momento ligado à região, sabem perfeitamente que o índio sempre foi, raras exceções, aceito pacificamente no convívio. Historicamente não se tem noticias de nenhum choque de conseqüências graves entre os aborígenes e os pioneiros aqui chegados nas levas da busca diamantífera, nos inícios do século, ou mesmo posteriormente, em fins da década de quarenta com a chamada Expedição Roncador-Xingu. Se existiu algum entrevero, e por certo houveram, esteve ele sempre circunscrito a pequeno entrechoques, típicos e até comuns aos contatos entre as civilizações antípodas. A verdade porém, relevada a circunstância apontada, é de que não se pode indicar ter existido aqui, em qualquer época e circunstância, um claro e manifesto desejo de combater, destruir e aniquilar índios ou arrasar e eliminar seus aldeiamentos. Os silvícolas, nas suas características civilizatórias, sempre perambularam pelas fazendas e agrupamentos humanos da região, estabelecendo com a população “branca” um modus vivendi bastante amigável, pacífico mesmo. As exceções desse processo variaram naturalmente, tanto de época e circunstancia quanto variáveis foram os contatos que estabeleciam uma ou outra nação indígena com as frentes de penetração. E se os bororós e Carajás, por exemplo, foram sempre mais acessíveis e permeáveis aos contatos, já os xavantes, temíveis e bravos guerreiros, que só recentemente se aculturaram, foram os que maior resistência opuseram. Mas, patenteadamente, o contato, sem as características do choque físico de graves proporções, foi, e tem sido, a regra geral.

Que houve violências de outra ordem, não desconhecemos, e é até impossível negá-las, já que eles perduram. A imposição da cultura “branca” sobre a indígena, tida como inferior apenas porque não dispunha de aparatos técnicos que pudessem se contrapor materialmente à cultura tida como superior e que he era imposta, foi, e é, sem dúvida alguma, uma forma de violentação. É necessário contudo que se sublinhe que essa imposição cultural deveu-se menos às levas errantes de garimpeiros e primitivos fazendeiros, que desde há décadas haviam iniciado a penetração do meio-oeste, (todos eles sertanejos semi-analfabetos e até a grande maioria, sem nenhum traço cultural), do que a outros fatores. E a esse respeito é interessante ler a transcrição que o autor faz de trechos do artigo de Pedro Rocha Jucá sobre – “A Epopéia de Rondon”, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.

A questão indígena no país é seguramente um dos muitos problemas que requerem urgência e seriedade para o seu equacionamento. Todos somos concordes em que os índios devam ser protegidos, e essa proteção inclui com certeza a demarcação e delimitação de suas terras. A criação das reservas é parte dessa política. Todavia, o que se questiona com ênfase nesta região, é a forma e as conseqüências com que ela vem sendo feita. Eis que, o espectro do problema indígena na região não se apresenta de forma idêntica a de algumas outras regiões do país em que há conflitos permanentes e constantes, sempre com violações de territórios indígenas, anteriormente já reconhecidos em leis.

A especificidade do problema indígena em Barra do Garças surge assim em toda a sua força. É que aqui, muitas das reservas foram criadas em áreas não primitivamente indígenas (isto é, no recuo histórico conhecido). Paradoxalmente, ocorre o fato de que a presença indígena nestas áreas tenha sido mais recente que a de fazendeiros ou caboclos. Um exemplo típico é o ocorrido na atual reserva de São Marcos, para onde, no ano de 1966, centenas de xavantes foram transferidos conforme aliás acentua o bispo Dom Pedro Casaldaliga, em sua Pastoral da Amazônia. De outra parte, inúmeros fazendeiros – e não posseiros, como soe pode ser divulgado eram proprietários de terras legalmente adquiridas do Estado de Mato Grosso, e, cumprindo as exigências para a obtenção de linha de crédito do Banco do Brasil, possuíam certidão negativa de inexistência de pretensões indígenas sobre a área, fornecidas pela FUNAI – órgão oficial da “política” indígena no pais.

Assim através dos documentos e dos fatos narrados, José Mario, em pinceladas rápidas mas não superficiais, vai traçando o retrato da situação que tragicamente resultou na chamada “Chacina do Meruri”. O que falta em narração mais circunstanciada ou análise detalhada é suprido pelos documentos amplamente mostrados.

Este trabalho surge, portanto, num momento em que são abertas as comportas da discussão democrática em nosso país, embora mal refeito do tempo em que a crítica, ainda que construtiva e escudada na verdade, era crime perigoso. José Mario traz então à discussão um grave problema que requer urgente solução. Discutamo-lo pois, democraticamente em busca de soluções viáveis e necessárias para que nosso chão, generoso encontro de raças e fértil caldeamento de culturas, não seja novamente manchado pelo sangue de irmãos.
Barra do Garças, Julho de 1980
C.G.C.