segunda-feira, julho 10, 2006

DRAMAS DO OESTE (História de uma excursão nas regiões da Ilha do Bananal, em 1950) Por Leolídio Caiado Este foi um dos livros que consegui através de minhas peregrinações aos sebos (lojas que vendem livros usados) de Goiânia. Ele está autografado pelo autor “ao inteligente e jovem Dr. João Gomes, com um abraço de Leolidio Caiado – 23.Nov.87”. Eu, particularmente, acho uma falta de respeito vender um livro cujo o autor lhe fez uma dedicatória (vai ver o cara tava precisando de grana!). Deixando esses detalhes de lado, vamos ao que interessa: O FIM DOS BICHOS, DOS RIOS E DO VERDE (orelha do livro) Ninguém mais desconhece que a poluição dos rios e da destruição irresponsável e vandálica das matas está a ameaçar o equilíbrio ecológico do mundo em que vivemos. Os crimes contra a natureza são bestiais, e só não revoltam àqueles que se beneficiam dessas campanhas criminosas que, em nome do progresso, são cotidianamente encetadas. Leolídio Caiado, escritor, conseguiu associar seu nome à defesa da fauna e da flora no Vale do Araguaia, sabedor de que o homem está criminosamente devastando as suas próprias condições de sobrevivência sobre a Terra. E este seu livro é um libelo de pungente dramaticidade, se formos considerar que as descrições de matança indiscriminada não são fruto da fantasia, mas espantosa e cruel realidade cotidiana. É preciso sim, ter coragem para denunciar esses crimes e atrocidades contra a natureza. Na agitação das grandes urbes, o homem freqüentemente se torna um cliente habitual de clínicas psiquiátricas, e acaba por substituir uma boa pescaria pela palestra com algum psicanalista do momento. E a rede, armada sob árvores seculares e amigas, fica sendo o pomposo dia psiquiátrico, onde se descarrega a carga de traumas e achaques advindos, no mais das vezes, da falta de contatos com a natureza. Por isso livros e homens como esses não são inúteis. Estão sempre a bradar – enfrentando a zombaria e o olhar de galhofa de seus apressados e neuróticos contemporâneos – contra essas calamidades que o progresso engendra e o homem, fera insaciável, alimenta. Homem conhecedor dos dramas do oeste e dos mistérios do sertão, Leolídio Caiado volta-se contra a passividade indiferente dos homens que, nos gabinetes, traçam diagramas sobre como preservar o equilíbrio ecológico, sem atentar para a ganância desenfreada das empresas que se beneficiam do extermínio em massa das espécies animais e vegetais. Já dissemos e voltamos a dizer que esse livro pretende ser um libelo contra a desumanidade irracional com que o homem prepara a própria destruição e isso porque não partiu de um homem que só conhece as asperezas do bravio oeste nos livros ou por ouvir dizer. Talvez esteja nisso – na paixão com que Leolídio atira-se quase quixotescamente na defesa das nossas reservas naturais – a validade maior deste livro, escrito com o ardor ferido dos que amam a natureza e a vêem dizimada pela ambição insensibilizada e descomedida dos homens. Escrevendo com amor e raiva, este último dos moicanos talvez não tenha conseguido romper o gelo dos acumpliciados e dos indiferentes. Mas, seguramente. Deu o seu testemunho, eximando-se da grande culpa que já se aproxima dos administradores de gabinete. Ninguém que ame a natureza lerá com indiferença este livro. E estes protestarão Brasigóis Felício

Caçadores com suas presas às margens do Araguaia. Hoje em dia a cena já não se repete com tanta frequencia - a caça é rara e as leis de proteção aos animais não permitem tais atrocidades. CAPÍTULO XXV Há, ainda em Goiás, alguns indivíduos de uma tribo que eram até pouco tempo, tão ferozes que qualquer civilizado evitava aproximar-se de suas terras. Foram morrendo aos poucos, mas não sujeitaram ao cativeiro dos brancos. Internaram-se numa inacessível região, a fim de evitar qualquer contato com o mundo civilizado Morreram indomáveis e os brancos, jamais, conseguiram ludibria-los. O aspecto desses índios é diferente dos demais: apresentam tipo acaboclado, possuindo, às vezes, vasta barba. Em outras épocas, constituíram uma das nações maiores do Oeste. Constantemente, lutavam contras outras tribos e suas terras nunca foram invadidas e ainda hoje, os javaés têm medo da região onde eles habitam. E embora ainda existam alguns, permanecem entre os demais índios, as lendas desses bravios e invencíveis Canoeiros! Certa vez, contou-me um velho sertanejo, que durante a fundação de povoados que ficavam algumas dezenas de quilômetros próximos à região dos Canoeiros, o seu avô e outros amigos faziam expedições com o fim de atacar os indomáveis nativos. Assim procediam, a fim de defender sua propriedades, plantações e criações, que eram incendiadas, devastadas e o gado morto à flecha. Certa feita, atacaram uma aldeia, de surpresa, e a confusão foi horrível. Dezenas de silvícolas foram massacrados e o restante fugiu para outras aldeias ou se homiziou nos recônditos florestais. Dentro da aldeia, num rancho de palha, deitado numa rede traçada da seda de embira de palmeira buriti encontraram um ancião que não conseguiu escapar, pis suas pernas trôpegas não lhe permitiam fugir e também devido à velhice, já não ouvia mais. Um rapaz que falava o mesmo dialeto e conhecia os costumes dos Canoeiros, fez o velho compreender que desejavam saber quantos índios existiam naquela aldeia. O velho, não podendo falar, tendo a voz arrastada, apanhou um punhado de areia e despejou-o no chão, mostrando a quantidade. Isto feito, o jovem retirou da cinta vasto punhal e friamente trespassou o corpo do indefeso ancião. Durante o ataque covarde dessas expedições, eram mortas as crianças, mulheres e os que não conseguiam fugir, sendo abatidos, também os animais e pássaros domésticos. Uma vez, contou-nos o velho, a cachorrada estava barroando, perto do pomar, junto à sede da fazenda de seu avô, no pé de uma velha gameleira de vasta galharia. A noite estava escura e um dos empregados apanhou a lamparina. No momento em que se aproximavam do local onde os cachorros acuavam, o condutor da lamparina tombou mortalmente ferido, varado por uma flecha. Enquanto voltavam para apanhar o rifle, o índio saltou em terra e tentou fuga, mas os cães já adestrados na caçada desses animais (assim se referia o velho), estraçalhou o índio. Eram constantes os assassinatos entre nativos e civilizados. Os índios espreitavam as habitações, matando tudo que encontravam e roubando crianças. Os cristãos se reuniam e munidos com armas de fogo davam caça aos índios como se fossem animais silvestres. Naturalmente os nativos não suportariam por muito tempo essas lutas desiguais de bordunas e flechas contra rifles e bacamartes. Eis, pois, o motivo porque iam sempre se aprofundando nas mais impenetráveis e distantes regiões, evitando o mais possível, contato com aqueles semelhantes, estrangeiros que traziam o corpo resguardado nas vestes e tinham a pele de cor diferente. Nunca esqueceram das perversidades que os brancos cometeram entre eles. E por isso, vamos encontrar o Canoeiro numa terra difícil de se penetrar, cheia de penhascos e desfiladeiros, serras cobertas de densas florestas em terras de difícil acesso. Os Canoeiros, como todos os índios agressivos, não se limitam a ficar em suas áreas, nas proximidades das aldeias, e andam dias, empreendendo viagens a grandes distâncias. Principalmente no verão, época em que efetuam suas façanhas contra os brancos e em certas regiões do Javaé, na margem direita, constituem sério perigo. Os mais visados são os pescadores profissionais e os caçadores de jacarés, que sobem os rios e afluentes menores, em busca do pirarucu e vão nos mais distantes lagos e lagoas à caça do jacaré, e são, não raramente, alvejados por traiçoeiras flechas. Um dos lugares mais terríveis foi a região do rio Tori-Béroô, afluente do Javaé, que era muito freqüentado pelos Canoeiros. Naqueles dias em que por lá passamos, um pescador havia sido flechado e o seu estado requeria certo cuidado:. A sagacidade e a traição do índio é tanta, que o jovem foi ferido, como os demais companheiros que estavam na mesma embarcação, não ouviram o barulho, nem viram índio algum: somente a seta enterrada no peito do pescador, aquela flecha que através de séculos ainda reclamava vingança. Revidaram o ataque com uma série de tiros que deve ter causado grande confusão entre os selvagens e desabaladas carreiras por entre o matagal. De modo geral, todos os índios são traiçoeiros e só atacam tendo certeza absoluta de que levarão vantagem. Por mais agressivos que sejam, têm pavor a arma de fogo e é bastante dar um tiro em sua direção para que corram, às vezes, o dia todo. Muitas vezes, o cristão numa região de índios agressivos, é espreitado por espaço de longo tempo até que chegue o momento mais oportuno para ser liquidado, após uma emboscada com segurança. O civilizado que se aventura nas terras desses índios, sem motivo relevante, é sempre um imprudente, porque sabe que a qualquer momento poderá ser atacado e com pouca chance de se safar com vida ou será obrigado a se defender, matando o agressor, cena que poderá ser evitada. Faz quase trinta anos que atravessamos, em serviço de explorações para a “Conclusão da Carta Geográfica de Mato Grosso”, parte de uma região habitada pelos xavantes e passamos na área dos caiapós e de outras tribos que ainda não eram conhecidas. Éramos trinta homens e todos bem armados e constantemente alvejávamos as caças que infestavam a região e com isso, os nativos se conservavam arredios. Porém, o momento do descanso, almoço ou pernoite, não era raro sermos despertados pelos clarões das fogueiras ateadas na floresta em forma de círculo, com objetivo de nos cercarem com as labaredas. Fugíamos, sempre que possível, dentro das embarcações, pelo canal do rio. Eram constantes as batidas feitas por eles nas proximidades dos acampamentos e conforme nos diziam os Carajás e sertanejos práticos, nós éramos visados e espreitados dia e noite, mas sendo um número grande e bem armado, eles jamais tentaram nos atacar com suas armas primitivas. Certo dia, numa manhã, quando caçávamos, tivemos oportunidade de ver vários destes nativos na beira de vasta campina, já para alcançar o mato à margem de um lago, em desenfreada e espetacular carreira, tal qual animais silvestres, nas proximidades de um rio que por um lapso chamamos de “Arroio das Arraias” e que era, de fato, o Tapirapés.